voluntária da Elas
09/07/2024
As mulheres constituem mais de 50% do eleitorado brasileiro, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em relação às filiações junto aos partidos políticos, elas representam quase 47% e, nas eleições de 2022, 33% das candidaturas registradas para concorrer a todos os cargos eram de mulheres. Foram 211 candidaturas femininas a mais que nas eleições anteriores.
Mas, estatísticas e dados como esses representam realmente uma política mais diversa e igualitária? O que os números verdadeiramente nos revelam? Que narrativas estão sendo construídas para mascarar a falta de vozes verdadeiramente inclusivas e igualitárias?
A representação de gênero na política se refere à presença física de mulheres nos espaços políticos, como câmaras municipais, assembleias legislativas e o Congresso Nacional. É a contagem numérica que mostra quantas mulheres ocupam cargos políticos. No entanto, essa presença física, por si só, não garante que as necessidades e os interesses das mulheres sejam adequadamente defendidos.
Por outro lado, a representatividade envolve a capacidade dessas mulheres de realmente representar e defender os interesses de todas as pessoas, especialmente dos grupos minorizados. A representatividade é sobre a eficácia com que as mulheres eleitas podem influenciar políticas, promover mudanças significativas e garantir que as vozes de diversas populações sejam ouvidas e consideradas nas tomadas de decisão.
A diferença entre esses dois conceitos é essencial para entender a verdadeira dinâmica da igualdade de gênero na política brasileira. Podemos ter um número considerável de mulheres em cargos públicos (representação), mas se essas mulheres não têm voz ativa ou enfrentam barreiras significativas que limitam sua atuação (representatividade), a aparente igualdade de gênero não passa de uma ilusão.
Mesmo quando ocupam cargos políticos, as mulheres frequentemente se deparam com obstáculos que dificultam seu pleno exercício do poder. Essas barreiras incluem desde a falta de apoio partidário até o preconceito e a discriminação dentro do próprio ambiente de trabalho. Muitas vezes, as mulheres eleitas são colocadas em posições de menor relevância ou recebem menos recursos para suas campanhas e iniciativas.
Ademais, a cultura política brasileira, marcada pelo machismo e pelo patriarcado, contribui para a manutenção dessas desigualdades. Estudos mostram que as mulheres no sistema político são mais criticadas por suas ações e são alvos frequentes de violência política de gênero, o que inclui ataques verbais, ameaças e até agressões físicas.
No estudo “Violência política contra as mulheres na América Latina” da ONU Mulheres e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é mencionado: “Na maioria dos casos, as mulheres que ocupam cargos políticos relatam experiências de violência política, que incluem desde intimidações verbais até ameaças de morte. Essa violência visa desqualificar a atuação feminina e criar um ambiente hostil que impede a participação plena e igualitária na vida política.”
Um exemplo prático é o da deputada estadual Marielle Franco, que foi brutalmente assassinada em março de 2018. Marielle, uma mulher negra e lésbica, era uma defensora dos direitos humanos e dos grupos minorizados.
Antes de sua morte, ela havia denunciado a violência policial e as condições precárias nas favelas do Rio de Janeiro. Seu assassinato foi amplamente interpretado como uma tentativa de silenciar uma voz poderosa e influente na política brasileira.
Existem exemplos inspiradores de mulheres que, apesar dos obstáculos, têm conseguido exercer uma representatividade efetiva. A deputada estadual Érica Malunguinho, a primeira mulher trans eleita para a Assembleia Legislativa de São Paulo, é um exemplo de como a diversidade de experiências e perspectivas pode enriquecer o debate político e promover a justiça social.
Sua atuação é marcada pela defesa dos direitos humanos, especialmente das populações LGBTQIAPN+ e negras, mostrando que a representatividade vai além da simples presença física: é sobre influenciar e moldar políticas que beneficiem a todos.
Outro exemplo é a deputada federal Joenia Wapichana, a primeira mulher indígena eleita para a Câmara dos Deputados. Sua atuação é fundamental na defesa dos direitos dos povos indígenas e na promoção de políticas ambientais sustentáveis. Joenia representa não apenas seu povo, mas também um compromisso com a diversidade e a inclusão na política brasileira.
Sobre o tema, é possível saber mais neste outro artigo do blog.
A ilusão da igualdade de gênero na política brasileira esconde uma realidade de exclusão e desigualdade. Para que a representação se traduza em verdadeira representatividade, é necessário superar as barreiras institucionais e culturais que limitam a atuação das mulheres na política.
A implementação de ações concretas, como políticas afirmativas, programas de capacitação e redes de apoio, é fundamental para criar condições equitativas para todas as mulheres. Além disso, a promoção de uma mudança cultural profunda, que valorize e respeite a participação feminina na política, é essencial para garantir um ambiente mais acolhedor e igualitário.
A luta pela representatividade é contínua e exige o engajamento de toda a sociedade. Campanhas de conscientização e educação são essenciais para combater o machismo e a violência de gênero, criando um espaço onde todas as vozes possam ser ouvidas e respeitadas. Somente assim poderemos construir um cenário político verdadeiramente inclusivo e justo.
É essencial que todos, independentemente de gênero, se unam para promover a igualdade e a justiça na política, garantindo que a diversidade não seja apenas uma ilusão, mas uma realidade tangível e transformadora. Com determinação e esforços coletivos, podemos avançar para um futuro onde a política reflita verdadeiramente a diversidade e os interesses de toda a população brasileira.
Sobre a autora: Ana Patrícia Neiva, advogada, pesquisadora de história política, apaixonada pelo mar e pelo Corinthians.
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