voluntária da Elas
15/03/2024
O nome Jacinda Ardern explodiu na imprensa global em meio ao surto da COVID 19, a Primeira Ministra da Nova Zelândia era a dona da resposta mais eficaz ao vírus.
Sua forma de gerenciar a crise deu o exemplo e transformou a Nova Zelândia, em poucos meses, num paraíso isolado de um mundo em quarentena.
Mas a excepcionalidade de sua forma de liderança, apelidada de “Jacindamania“, já cativava mesmo antes da COVID 19.
Durante o mandato, Jacinda Ardern lidou com uma erupção vulcânica, um atentado terrorista, uma pandemia e forte crise econômica, enquanto vivia sua primeira gestação e puerpério.
Uma das líderes mais jovens já eleitas e segunda mulher a dar à luz durante o mandato, Jacinda Ardern quebrou estereótipos pelo exemplo de uma nova forma de liderança na gestão de governo.
Carisma, empatia e gentileza, características que não costumam descrever “grandes líderes” de Estado, nortearam seu governo e a transformaram numa das figuras mais importantes da política mundial.
Em março de 2019, eu me preparava para passar o Dia Internacional da Mulher na Nova Zelândia, e, para minha surpresa, não encontrei nenhuma celebração que ocorresse na data. No dia, experimentei, pela primeira vez, como é viver num país com baixa desigualdade de gênero: o Dia Internacional da Mulher é apenas mais um dia comum.
Nos quatro anos seguintes, vivenciei a singularidade de habitar um país quase “utópico” em questões de igualdade de gênero, e de estar sob a liderança competente de Jacinda Ardern.
As eleições que a nomearam ao cargo de Primeira Ministra tiveram resultados inesperados: após renúncia do candidato escolhido pelo partido, e numa campanha de apenas sete semanas, Jacinda disparou em popularidade.
Em outubro de 2017, aos trinta e sete anos, foi eleita ao governo da Nova Zelândia, sendo a terceira mulher a ocupar o cargo e a mais jovem líder do país.
Sua principal agenda política focou nas mudanças climáticas, desigualdade e pobreza infantil.
Trabalhando junto ao Parlamento, conquistou avanços significativos no país, como a proibição de exploração de novas reservas de petróleo, e um pedido de desculpas histórico aos povos originários, pelos quase dois séculos de colonização, confisco de terras e genocídio.
O governo indenizou em 165 milhões de dólares a tribo Ngati Maniapoto e devolveu 36 locais de importância cultural ao povo Maori.
Seu nome ganhou notoriedade após um atentado contra duas mesquitas islâmicas, em 2019. O massacre assassinou 51 pessoas e foi transmitido ao vivo pelo Facebook.
A resposta da Primeira Ministra – rápida e eficaz – foi elogiada pela precisão política: classificando o evento como ato de “terrorismo”, ela subverteu paradigmas de que homens brancos, quando cometem atrocidades, não são noticiados como “terroristas”.
Ela alterou imediatamente a política de porte de armas, encorajou a população a combater a islamofobia e solicitou à imprensa que não divulgasse o nome do atirador.
“Ele almejou diversas coisas com esse ato de terror, especialmente a notoriedade. E é justamente por isso que jamais pronunciaremos o seu nome”, declarou.
Mas o que tornaria Jacinda Ardern uma celebridade política, reverenciada pelo mundo num dos momentos mais críticos do século, foi a sua liderança de extraordinária competência no combate à COVID 19.
Viver na Nova Zelândia durante a pandemia sendo brasileira foi um denso experimento de observação política. Enquanto eu vivia relativamente tranquila no país que melhor lidou com o vírus, observava meus amigos e familiares em desespero no Brasil, a “pior nação democrática” para se estar durante a pandemia.
Uma importante medida do governo neozelandês para a COVID 19, além da rigidez quanto ao isolamento, foi a transparência nas comunicações.
Diariamente, Jacinda Ardern e Ashley Bloomfield, Ministro de Resposta à COVID 19, transmitiam ao vivo os planos de ação, estatísticas e próximos passos a serem tomados.
Em meio ao primeiro lockdown, ela e ministros anunciaram um corte de 20% em seus próprios salários, em solidariedade aos trabalhadores que perderam seus empregos.
Uma série de medidas foram estabelecidas para proteger a população, sanitária e economicamente, até que em junho de 2020, apenas quatro meses depois de registrar o primeiro caso da doença, a Nova Zelândia se declarou um país livre do vírus.
Depois de seis anos à frente do governo, Jacinda Ardern renunciou ao cargo de Primeira Ministra para cuidar da saúde mental e estar mais próxima à família. Sua renúncia foi descrita por adversários como “fraqueza diante da possível derrota” nas eleições seguintes.
Após anos trabalhando de forma complexa e lidando com adversidades desafiadoras a qualquer chefe de Estado, as críticas à renúncia nos mostram que ainda estamos longe de aceitar a vulnerabilidade humana como ativo valioso para um líder de governo.
Esse tipo de liderança, que empreende empatia, gentileza e inteligência emocional na política global, é o tipo de liderança para a qual ainda não estamos preparados.
Mas para nós, que acreditamos que a presença feminina na política é capaz de arrebentar os paradigmas mais rígidos e arcaicos, os modelos de liderança carismáticos e empáticos são a esperança em sociedades mais justas.
Jacinda Ardern enfrentou adversidades e entregou um governo marcado pela ética e eficiência, e seu legado é mais do que importante, é revolucionário.
E para mim, admiradora inconteste dessa grande mulher, fica a lembrança do dia em que visitei o Parlamento neozelandês, em Wellington, e, a vi passar, muito rapidamente, cumprimentando nosso grupo de visitantes e outros funcionários que ali estavam.
Um micro instante na presença de uma mulher extraordinária é tempo suficiente para que você, de alguma forma, se sinta extraordinária também. Obrigada, Jacinda.
Sobre a autora: Helena Vitorino é analista internacional, escritora feminista e ativista dos Direitos Humanos. Desde 2019 movimenta-se pelo mundo, conhecendo e narrando a história de mulheres e o papel que desempenham em suas sociedades.
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