Mudanças climáticas e o impacto na vida das mulheres

Karoline Marques

voluntária da Elas

14/01/2024

As mudanças climáticas afetam de maneira desproporcional diversas comunidades, especialmente mulheres. Cerca de 70% das pessoas em condições de pobreza são mulheres, o que representa 40% dos lares mais pobres em áreas urbanas e rurais. Elas também compõem a maioria da força de trabalho na produção de alimentos, mesmo detendo a propriedade de menos de 10% das terras. Além disso, são mais dependentes dos recursos naturais ameaçados pelas mudanças climáticas.

Em desastres como o promovido pelo ciclone Gorki em Bangladesh em 1991, nove vezes mais mulheres do que homens morreram. Durante os incêndios na Austrália em 2009, o dobro de mulheres precisou fugir. No Quênia, na seca de 2016, as mulheres foram as últimas a receber comida, resultando em 2 milhões de pessoas em situação de fome extrema.

A relação entre os tomadores de decisões – em sua grande maioria, homens brancos e privilegiados – e os grupos minoritários socialmente gera uma equação difícil de resolver, um desequilíbrio de poder que prejudica o acesso aos recursos necessários para se adaptar às mudanças climáticas.

Desigualdade de gênero nos espaços de tomada de decisão 

A jovem ativista ambiental Marina Guião foi presença confirmada na COP28, que aconteceu em Dubai entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023. Apesar de sua pouca idade, sua vasta carreira no ativismo permite uma análise eficaz do cenário atual e da forma como as mulheres são sub-representadas nos espaços de tomada de poder. Realizei uma entrevista com ela em novembro de 2023 para saber mais sobre suas impressões a respeito do tema.

Guião destacou que, na última Assembleia Geral da ONU, apenas 20 dos 190 países que discursaram eram representados por mulheres, o que vai contra os objetivos de igualdade de gênero da Agenda de Desenvolvimento Sustentável e reflete uma desconexão entre os representantes e tais objetivos.Marina ressaltou a falta de representação de mulheres, pessoas negras e povos indígenas nos cargos de poder, o que influencia a elaboração e execução de políticas públicas que não consideram as necessidades daqueles. 

Ela elogiou a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, por ser uma voz ativa em conferências climáticas, focando na justiça e nos grupos mais vulneráveis, como países menos desenvolvidos e comunidades afetadas. Mottley, uma mulher negra, utiliza sua posição para representar e defender as mulheres e as pessoas mais impactadas pelas mudanças climáticas.

O encontro da justiça social com a justiça ambiental

Um estudo sueco de 2021 publicado no Journal for Industrial Ecology mostrou que os homens geram mais poluição porque consomem mais carne e usam mais carros, enquanto as mulheres preferem produtos de baixa emissão. Isso ilustra que abordar a crise climática requer uma análise socioeconômica global, que considere como diferentes grupos enfrentam e se adaptam às mudanças climáticas.

Marina destaca que no Brasil há mais pessoas sem possibilidade de escolher o que comer e como se locomover do que aquelas com possibilidade de fazer. Ela ressalta que a sociedade civil e os movimentos sociais, liderados principalmente por mulheres, estão propondo soluções fora do âmbito institucional, ainda dominado por homens brancos da elite.

Embora a COP28 em Dubai tenha tido muitas representantes femininas do terceiro setor, a maioria no Brasil são mulheres brancas, o que exclui mulheres negras e indígenas que lideram soluções locais, mas enfrentam dificuldades para acessar esses espaços, como mencionado pela ativista.

Ela acredita que o trabalho da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, seja impecável. A referida ambientalista vem fazendo seu trabalho, reconhecido internacionalmente, em território nacional e, principalmente, amazônico. Além disso, Guião acredita ser fundamental a criação de um Conselho de Jovens pela Ação Climática, sendo este interseccional com outras causas, buscando protagonismo de todas as regiões do Brasil e dos movimentos sociais, para dar voz à juventude que já está engajada.

Marina Guião exemplifica que a importância daquele Conselho fez-se presente na transição de governos:“Durante o governo Bolsonaro, eles atualizaram a meta do Brasil no Acordo de Paris, permitindo mais emissões, mas mudando a base de cálculo, o que fazia a porcentagem parecer melhor. Diante disso, cinco jovens, em parceria com o Fridays For Future, Greve pelo Clima Brasil e Engajamundo, e com o apoio dos advogados do Observatório do Clima, processaram o governo brasileiro. Na transição para o governo Lula, ganham. Assinamos um compromisso com a Marina Silva de que todas as NDCs vão ter que ser consultadas e revisadas pela juventude em termos de políticas públicas e metas globais que o Brasil assumir.”

Importância do movimentos sociais e a sustentabilidade  e justiça climática

Os movimentos sociais estão interconectados, como explicado durante a conversa: “As pautas estão interconectadas, e não conseguimos falar de sustentabilidade, de justiça climática e justiça ambiental sem abordar igualdade de gênero, justiça racial e combate ao preconceito contra a comunidade LGBTQIA+. ”

”Portanto, é necessário trabalhar para que essa distância torne-se cada vez menor, seja em projetos comunitários, seja em propostas legislativas a nível nacional, ou mesmo em incidência em governança internacional, sempre tentando trabalhar em conjunto, com esforços vindos de ambos os lados, não só do movimento de igualdade de gênero, mas também do movimento ambiental, para que possamos atingir essa verdadeira justiça climática com todos os grupos envolvidos.”

Existem comunidades que são mais afetadas por vários problemas estruturais e socioeconômicos que se interligam com a questão ambiental, tanto por conta da exploração colonialista a partir da qual alguns países se desenvolveram mais que os outros, quanto pela má distribuição de renda.

“Não tem como falar em menos emissão de gases do efeito estufa se não temos comida na mesa, dignidade menstrual. As mesmas pessoas que são mais afetadas pelos desastres ambientais são as que enfrentam a fome”, ela completa.

A crise climática demanda uma atenção global urgente, sendo essencial o debate e a busca de soluções para garantir a proteção do meio ambiente, benefícios econômicos e a melhoria do estilo de vida da população mais afetada. Nesse contexto, grandes acordos globais, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e o Acordo de Paris, orientam o progresso em três categorias fundamentais: redução das emissões, adaptação aos impactos climáticos e financiamento dos ajustes necessários. 

Com base nos atuais planos climáticos nacionais, prevê-se um aumento de aproximadamente 3,2 °C no aquecimento global até o final do século. Embora alguns países tenham se comprometido com a emissão líquida zero até 2050, é crucial que metade dos cortes de emissões estejam implementados até 2030 para manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C. 

Para atingir esse objetivo, a produção de combustíveis fósseis deve diminuir cerca de 6% ao ano entre 2020 e 2030. Além disso, a mudança desse cenário é tangível com o cumprimento do compromisso dos países industrializados de fornecer 100 bilhões de dólares anualmente aos países em desenvolvimento, possibilitando a adaptação às consequências climáticas e impulsionando a transição para uma economia mais verde.

Entrevistada Marina Guião

 

 

 

Sobre a autora: Karoline Fernanda Marques, tem 23 anos, é brasiliense com raízes mineiras, autora de 2 livros, coautora de 6 e escritora de artigos. Sócia da Associação Nacional de Escritores – ANE. Ativista da luta pela justiça racial, igualdade de gênero voluntária no UNICEF, coordenadora de comunicação na ONG Elas no Poder, apaixonada pelos animais e dona de 6 gatos (e outros 2 em memória).

 

Sobre a entrevistada: Marina Guião, jovem ativista brasileira por justiça climática, estudante de Ciência Política e Relações Internacionais. Participa do Fridays For Future, YOUNGO e Global Youth Coalition mobilizando várias iniciativas e campanhas. Co-fundou Escolas Pelo Futuro, que levou ação climática interseccional à várias escolas, e é co-autora do Manifesto pela Educação Climática no Brasil. Foi curadora do LivMundi, maior festival socioambiental do Brasil, e é Membro do Conselho do SosAmazonia.fund, que investe em projetos comunitários indígenas. Atualmente é membro do CONJUCLIMA, que faz advocacy pela criação do primeiro Conselho Nacional de Juventude para a Ação Climática.

 

Bibliografia

https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/11/mulheres-sao-mais-afetadas-por-mudancas-climaticas.shtml

https://www.brasildefato.com.br/2022/05/30/por-que-a-mudanca-climatica-atinge-mais-as-mulheres

https://primaveraeditorial.com/mulheres-e-o-impacto-das-mudancas-climaticas/

https://veja.abril.com.br/ciencia/homens-poluem-mais-do-que-as-mulheres-no-dia-a-dia-diz-estudo

https://brasil.un.org/pt-br/175180-o-que-s%C3%A3o-mudan%C3%A7as-clim%C3%A1ticas

 

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