coordenadora da Elas
22/10/2021
Muitas violências ocorridas em âmbito intrafamiliar não acabam nem quando as relações têm fim. Alguns agressores trazem dano a pessoas queridas e próximas à mulher (que assim como em outras formas de violência doméstica, geralmente é a agredida na violência vicária), a fim de manter o controle, o domínio e os danos cometidos contra ela.
O termo vicário refere-se a essa “substituição de um indivíduo por outro no exercício de uma função ou na experiência de uma situação.”, segundo a psicóloga Sonia Vaccaro. A violência vicária é, então, aquela na qual se utiliza como instrumento uma terceira pessoa para infligir sofrimento e violência na pessoa que seria o verdadeiro objetivo da agressão.
A maioria dos casos envolve os filhos do casal na relação, cujo progenitor (homem) quer seguir fazendo danos na mulher com quem ele se relaciona. É importante, no entanto, enxergar as crianças não como vítimas colaterais, mas como vítimas diretas da referida violência. Elas têm sua integridade física e/ou psicológica severamente prejudicada em muitas situações, e há casos crescentes de violência vicária que resultam no homicídio da criança pelo agressor.
A nível psicológico, muitas crianças apresentam danos na autoestima, queda no rendimento acadêmico, problemas de concentração, inabilidade social, e mesmo condições como ansiedade e depressão são comuns nesses casos.
A submissão da criança a essa experiência violenta pode gerar nela um aprendizado vicário. Algumas replicam os maus tratos aos quais foram submetidas e normalizam a violência no âmbito da família ou da relação afetiva.
Alguns psicólogos forenses indicam que, nesse ato, o agressor libera agressivamente suas frustrações decorrentes de sentimentos de inferioridade e baixa autoestima. A partir da submissão da companheira e dos filhos a ele, o agressor tenta impor a autoridade, obediência e controle da situação.
Assim, converte também em vítimas outras pessoas para além daquela a quem a violência originalmente se dirigia. Em muitos casos, a pessoa adulta sente-se inibida a procurar ajuda, denunciar ou fazer algo que possa parecer, a ela, colocar seus filhos, familiares ou outras pessoas queridas em risco.
A existência de vínculo afetivo próximo entre o agressor e as crianças maltratadas torna problemático também para elas denunciarem ou agirem de modo a interromperem o modo de ação do agressor, o qual inclusive pode agir socialmente de forma menos violenta e mais “normal” fora do ambiente de casa, tornando ainda mais confusa e violenta a experiência.
O agressor pode, ainda, utilizar o sistema Judiciário como ferramenta para controlar as vítimas. Em muitos casos, os violentadores criam ilegítimas e extensas batalhas judiciais, e a Lei de Alienação Parental – LAP (Lei nº 12.318/2010) tem sido usada pelos agressores assim que a mulher denuncia violência doméstica.
Um pedido de separação ou divórcio pode ser respondido por ele, por exemplo, com uma luta para retirar as crianças da guarda da mulher agredida, ou para ter o direito de visitar os filhos, colocando a mulher em uma situação de subjugação, de coerção.
As varas de família (os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher problematicamente não têm competência para processar e julgar esse tipo de ação) viram palco de uma litigância abusiva onde a mulher não tem muitas chances. Muitas das práticas são comuns pelos violentadores: alteração frequente de pedidos relacionados à guarda dos menores; abuso, agressão ou violação aos direitos das crianças; e manutenção de sucessivos e intermináveis processos judiciais.
Pela LAP, constrói-se uma tese de que a mulher estaria cometendo atos de alienação parental, dentre eles, alegada falsa denúncia contra genitor ou outros para supostamente impedir convivência deles com a criança. Com isso, por exemplo, a investigação passa a girar em torno de comprovar ou não a alienação, e não das violências perpetradas pelo agressor.
A violência vicária é umas das violências machistas estruturais e culturais que tanto machucam e matam mulheres por aí. Se você for vítima de violência, denuncie discando 180!
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