voluntária da Elas
02/02/2022
Nesse texto falarei de algumas das mulheres que foram e são importantes na história do samba. Mulheres que ocuparam o espaço musical e mostraram seus talentos a cada música colocada no mundo. Elas deram sentido a esse ritmo que tanto nos ajuda a entender vivências e a ressignificar experiências. São elas:
O samba teve sua origem nas favelas e subúrbios cariocas, trazendo as vivências da população negra em boa parte das músicas. Nas famosas rodas se iniciavam os encontros e, principalmente, na casa de uma mulher que é considerada a genitora do samba, a Tia Ciata – cozinheira, candomblecista e mãe de santo.
A história apaga o protagonismo dessa mulher, mas foi dentro de sua casa e com o seu envolvimento que surge a primeira composição considerada tipicamente samba, a canção “Pelo Telefone”. Depois desse marco, o samba de Tia Ciata sai do Rio de Janeiro e é levado para todos os cantos do Brasil.
E mais uma vez, aquilo que se nasce só pode ter vindo de um lugar. Um lugar que é mais do que espaço, é gênero e político. É mulher.
Dona Ivone Lara é a Rainha do Samba. Não foi a idade que a fez se afastar dos palcos, até os seus 96 anos sua voz sambista ainda ecoava pelo Brasil.
De família humilde e musical, Yvonne Lara da Costa foi a a primeira mulher a compor sambas-enredo, utilizando o pseudônimo de seu primo, Mestre Fuleiro. Ele era o porta-voz de suas canções dentro da escola de samba Prazer da Serrinha, e também para outros sambistas na década de 40.
O anonimato da época se devia à proibição de mulheres ingressarem em rodas de samba. O território desse gênero, dominado por homens, e até hoje considerado como um reduto machista, minimizava a figura feminina.
Foi participando dos corais da escola e das reuniões de amigos e familiares que aprendeu a tocar cavaquinho. De vocação precoce e com um destino parecendo que predestinado, sua primeira composição foi aos 12 anos, a canção “Tiê-tiê”.
O contato com o samba e o chorinho fez dela uma subversiva, que ao longo dos anos foi se tornando uma assídua frequentadora de rodas de samba, blocos, pagodes, pastorinhas e jongo, mesmo com todo preconceito em volta.
Em 1947, foi o ano de sua estreia definitiva no mundo do samba, ao casar-se com Oscar da Costa, filho de Alfredo Costa – presidente da Escola de Samba Prazer da Serrinha. Sua composição autoral “Nasci para sofrer” foi usada pela Escola para o desfile de carnaval.
Em 1965 com o fim do Prazer da Serrinha, a cantora ingressou na ala dos Compositores da Escola Império Serrano, e passou a produzir com Silas de Oliveira e Bacalhau a obra-prima do gênero “Os cinco bailes da corte”. Foi a partir dessa música que pôde se apresentar como compositora e ser reconhecida nacionalmente.
O ano de 1970 foi o que mais marcou sua carreira. Nele, ela recebeu o nome artístico de Dona Ivone Lara e gravou “Sambão 70”. Em 1978, foi a vez de gravar individualmente seu primeiro disco “Samba minha verdade, samba minha raiz”.
Teve suas músicas interpretadas por diversos artistas, um exemplo a famosa “Sonho Meu” por Gal Costa e Maria Bethânia, “Alvorecer” por Clara Nunes, “Alguém me avisou” por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, “Mas quem disse que eu te esqueço” por Paulinho da Viola, “Força da Imaginação” por Beth Carvalho e Hermínio Bello de Carvalho, e muitos outros.
Sua existência inspirou cantoras como Beth Carvalho e Clara Nunes, conhecidas também como as vozes do samba. Teve consagração na MPB, como Dama da realeza, e referência não só na música brasileira, mas também no papel e condição de mulher, negra, funcionária pública, idosa e mãe.
Alcione Dias Nazareth, ou Marrom, também é conhecida dentro da dinastia de Rainha do Samba, depois de Dona Ivone Lara. Cantora e compositora, ela é uma das maiores sambistas do país. Com o incentivo do pai desde criança, Marrom passou a tocar vários instrumentos de sopro e a se apresentar.
Nos anos 1960, conseguiu uma vaga em um programa de TV, onde se fixou por quase uma década. Com o sonho de se dedicar à música e viver dela, decidiu se mudar para o Rio de Janeiro em 1972, cantando principalmente na noite, em bares e boates.
O seu principal lugar de ensaio no berço carioca era a boate Little Club – reduto histórico em que nasceu a Bossa Nova em Copacabana. Foi nesse mesmo ano que ela lançou seu primeiro disco compacto, cantando “Figa de Guiné” e “O Sonho Acabou”.
Focada na vida de cantora, Alcione se candidatava nas premiações dos programas de televisão da época, ganhando muito deles. Em 1975, lançou seu primeiro LP “A voz do Samba” e, ficou incansavelmente escutada com os sucessos “O Surdo” e “Não Deixe o Samba morrer” – música esta que na época ficou 22 semanas em primeiro lugar nas paradas, se tornando um verdadeiro hino dentro do samba e pagode.
Em 1979, fundou o Clube do Samba, ao lado de João Nogueira, Martinho da Vila e Beth Carvalho, que anos depois se tornaria um evento popular no Rio de Janeiro, que acontece até hoje.
Com uma voz irresistivelmente forte e avassaladora, seu canto esteve na trilha sonora de várias novelas, a mais conhecida foi “Meu Ébano”. E o sucesso não para por aí, em 2003 ela levou para a casa o prêmio Melhor Álbum de Samba/Pagode no Grammy Latino e em 2015 o prêmio Melhor Cantora de Samba pelo Prêmio da Música Brasileira.
Dona da voz de “Você me Vira A Cabeça”, “Sufoco”, “A Loba”, “Estranha Loucura”, “Meu Vício é Você”, “Pandeiro É o Meu Nome” teve uma passagem importante no Samba e no Pagode.
Dando continuidade à dinastia, agora é a vez da Madrinha do Samba, a consagrada Beth Carvalho. Impossível não lembrar da voz de Beth em músicas como “Volta Por Cima”, “Coisinha do Pai” e “Vou Festejar”. A cantora teve contato com o samba desde pequena, mas só começou a se dedicar à ele quando ganhou um violão.
E tendo escutado pela primeira vez Clementina de Jesus, no espetáculo ‘Rosa de Ouro’, não conseguiu se conter e decidiu: era o samba que iria seguir dali em diante. Participou em 1966 da ‘A Hora e a Vez do Samba’, ao lado de Nelson Sargento e Neco da Portela. Se fez presente em quase todos os festivais de música da época interpretando letras de diversos sambistas.
E foi com o sucesso de “Andança”, em 3º lugar no Festival Internacional da Canção (FIC) de 1968, que Elizabeth Santos Leal de Carvalho ficou conhecida pelo Brasil todo.
A partir de 1973, a intérprete passou a lançar anualmente discos novos e virou um sucesso de vendas. Por trás das cortinas, a artista era pagodeira do subúrbio e do morro – mesmo sendo natural da zona sul – conhecendo nesses ambientes diversas personalidades, que para ela não poderiam passar despercebidas.
Com suas anteninhas de fada madrinha sempre ligadas e a varinha de condão, ela revelou artistas e grupos, como: Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Almir Guineto e muitos outros. Por causa disso, o apelido de Madrinha do Samba ficou.
Vencedora de 2 Grammys Latino, uma característica ilustre da cantora foi a novidade que ela trouxe para o samba, um som diferente do que se escutava antes. Isso porque, como ela participava do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, em Olaria, lá se utilizava o banjo com afinação de cavaquinho, tantã e o repique de mão. E foram os sons desse instrumento que ela começou a pôr em suas músicas, dando um toque único.
Cantora, compositora e puxadora de samba-enredo do Salgueiro, da Mocidade e do Cubango, Elza transitou por vários gêneros musicais, sem medo de inovar no ritmo e em se desafiar cada vez mais. No entanto, foi entre os batuques do samba de raiz que ela se fez tão evidente.
Faixas como “Ziriguidum”, “Cantiga do Morro”, “Malandro”, “No Carnaval”, “Se acaso Você Chegasse”, “Mulata Assanhada”, “Eu sou a Outra” e tantas mais, fez o samba de Elza ter uma característica particular de voz suavemente grave e gogó potente, com pinceladas roucas.
Devido a toda a sua versatilidade, sem abandonar em suas composições temas políticos e sociais, como o racismo e o machismo – que esteve presente em toda sua vida, foi eleita pela BBC de Londres em 1999, como a cantora do milênio.
Ela era a “A Mulher do Fim do Mundo” – música de sucesso no fim de sua vida e que é cantada com tom protagonista, Elza sobre Elza. No verso ‘Na avenida deixei lá. A pele preta e a minha voz’ descreve exatamente três elementos imprescindíveis de sua existência: o samba, a negritude e a música.
Em 1971, Elza recebeu o diploma de Embaixatriz do Samba no Museu da Imagem e do Som e três décadas mais tarde foi homenageada pelo desfile da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel. A trajetória de vida e musical da cantora foi tema do samba-enredo Elza Deusa Soares.
Como vimos anteriormente, foi Clementina de Jesus uma das principais inspirações de Beth Carvalho para sua entrada no samba. A musa inspiradora vem de uma família que de geração em geração foi escravizada, e, como o samba veio dos batuques ancestrais da senzala, Clementina herdou melodias do jongo, do lundu e da umbanda.
Sua colaboração com o samba se deve a característica principal do gênero musical, que é trazer aos ouvintes a vida no morro e nas periferias, os personagens das comunidades, as injustiças sociais e as características desse meio. No caso de Clementina, suas canções falavam sobre a África e a tristeza do trabalho forçado longe da terra-mãe.
Com base nessa particularidade, a cantora passou a ser reconhecida por estabelecer um elo entre o Brasil e a ancestralidade africana – que é um traço fundamental do gênero.
Nascida no Rio de Janeiro, pouco depois da abolição da escravatura, trabalhou até os 63 anos como empregada doméstica. Entre o dever e o sonho, ela cantava em bares quando foi descoberta pelo produtor Hermínio Bello de Carvalho, em 1964.
Com um codinome de Rainha Ginga, em referência a rainha Nzinga Mbande da Angola, do século XVII, que lutou contra a colonização portuguesa em seus reinos, Clementina só pôde se dedicar à carreira em sua fase idosa. Mesmo assim, sua trajetória teve reconhecimento internacional.
Um exemplo de sua influência mundial, foi sua aparição no documentário Caterina Valente präsentiert brasilianische, de produção alemã. Há um vídeo que mostra um trecho do documentário, com Clementina cantando a música Yaô com o Conjunto Nosso Samba.
Jovelina Pérola Negra é outra voz feminina marcante da história do samba e ainda assim pouco reconhecida em nosso país. Compositora de “Sorriso Aberto”, “Luz do Repente” e “Sangue Bom”, iniciou a carreira aos 40 anos. Dona de uma voz forte, cantava sobre as mazelas sociais e o orgulho de ser negra.
Durante sua vida, Jovelina foi empregada doméstica e integrante da Ala das Baianas do Império Serrano. Desde os anos 80, frequentava as Rodas do Botequim da Escola da Serrinha e participava do Pagode da Tamarineira, no Cacique de Ramos, ao lado de outros artistas como Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Beth Carvalho, Arlindo Cruz, Beto sem Braço e muitos outros.
Herdeira do estilo Clementina de Jesus, ela também era tiete declarada de Bezerra da Silva. Seu início com a música foi cantando no Vegas Sport Clube em Coelho Neto, sendo em seguida chamada para fazer parcerias com outros sambistas. O comprometimento com o samba a fez lançar músicas novas e a ganhar um disco de platina.
Considerada uma das damas do samba, a gravadora Som Livre decidiu relançar em sua homenagem seis dos seus discos de carreiras mais a coleção “Pérolas – Jovelina Pérola Negra”, já que na atualidade é difícil encontrar as obras da artista.
Coletâneas com grandes sucessos como “Feirinha da Pavuna”, “Bagaço da Laranja”, “Garota Zona Sul” e “No Mesmo Manto” podem ser achados em sebos do Rio de Janeiro.
E para finalizar, não poderia deixar de falar da Leci Brandão, que foi a primeira mulher a compor um samba-enredo para a escola de samba Estação Primeira de Mangueira, na década de 70.
O seu canto é em defesa das “maiorias minorizadas”, do povo preto, das mulheres e dos trabalhadores brasileiros. Com mais de 42 anos de carreira, seu samba vem evocando de maneira direta e apaixonada a cultura afro-brasileira.
Além disso, por mais de 10 anos a cantora também foi comentarista dos Desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro de São Paulo. Madrinha do Acadêmicos de Tatuapé e do bloco Afro Ilú Oba De Min – composto somente por mulheres, Leci foi premiada como melhor cantora de samba na 29º edição do Prêmio da Música Brasileira, com o sucesso “Simples Assim – Leci Brandão”.
Por conta de suas composições e personalidade política, acabou se filiando ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em 2010, candidatando-se ao cargo de Deputada Estadual pelo estado de São Paulo.
E até hoje vive entre o samba no pé e a política na boca. Não deixe de escutar “Zé do Caroço”, “Isso é Fundo de Quintal”, “Cidadã Brasileira”, “Agenda” e “Saudação à Iemanjá”, dessa significante sambista.
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