voluntária da Elas
11/06/2024
Quanto vale a vida de uma mulher? Para as justiças brasileira e espanhola vale onze anos de liberdade e um milhão de euros, respectivamente. Para aqueles envolvidos na morte de Marielle Franco, a quantia de 400 mil reais foi suficiente para acobertar o assassinato de uma vereadora democraticamente eleita, e consequentemente, atentar contra a democracia.
Com os desdobramentos recentes nos três casos, vimos que a integridade da vida de uma mulher custa muito pouco para a sociedade e para os homens. Constatamos a inércia da máquina pública e vimos o descaso de autoridades que deveriam nos representar e nos proteger, assim como a confiança debochada dos criminosos impunes.
Mas essas mulheres não serão esquecidas. Elas e todas aquelas que têm suas vidas e seus corpos violentados e violados precisam ter seus direitos assegurados e merecem a devida reparação quando eles não forem.
A luta continua até que o existir como mulher seja respeitado plenamente, na política, nos esportes e em toda a sociedade. Nossa vida não deveria ter um preço!
Onze anos. Esse foi o tempo decorrido desde o crime até a prisão de Robinho no dia 21 de março pelo estupro coletivo de uma jovem albanesa em uma boate na Itália, em 2013. A pena determinada pela justiça italiana é de nove anos e deverá ser cumprida no Brasil, segundo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A demora do processo é o que mais assusta no desenrolar do julgamento de Robinho. Foram nove anos para que ele fosse condenado na Itália, em 2022, e mais dois anos para que o criminoso fosse detido no Brasil. Durante todo esse tempo, que foi, no total, mais longo do que a pena prevista, uma rotina de impunidade foi vivida pelo estuprador.
Pior do que a morosidade da justiça, apenas o deboche dos culpados protegidos pela cultura machista que permeia o esporte e a justiça. Quatro dias depois da detenção de Robinho, assistimos Daniel Alves, também condenado por estupro, deixar o presídio espanhol onde cumpria prisão preventiva desde janeiro de 2023. Com o pagamento da fiança de um milhão de euros, ele saiu da prisão desfilando de cabeça erguida para aguardar o julgamento em liberdade.
Os casos de Robinho e Daniel Alves não acontecem descolados de um panorama maior de machismo na sociedade. Uma pesquisa feita pela jornalista esportiva Camila Alves, do Globo Esporte, revelou que 52,1% das jogadoras já foram vítimas de algum tipo de assédio moral ou sexual. As atletas mencionaram já ter sofrido importunação sexual, convites inadequados e até o afastamento da equipe como retaliação após denúncias.
O futebol tem suas raízes fincadas no pacto da masculinidade, uma rede de proteção velada entre os homens e sociedade, que opera também na política. Com o apoio dos parceiros, eles estão sempre em uma posição confortável para errar, o que resulta na manutenção da cultura do estupro. A fala da vítima ao final do julgamento de Daniel Alves, “Eles acreditaram em mim”, traduz bem o sentimento de incredulidade ao ver o estuprador ser julgado culpado.
O silêncio de autoridades do esporte frente aos casos em questão também é um efeito dessa rede de proteção masculina. Por isso, a importância de vozes e lideranças femininas nos espaços historicamente masculinos. Quando nenhum representante no futebol comentou sobre Robinho e Daniel Alves, foi a presidenta do Palmeiras e chefe de delegação da Seleção Brasileira, Leila Pereira, que tomou a palavra. Ao portal “Uol”, ela disse:
“Isso é um tapa na cara de todas nós mulheres, especialmente o caso do Daniel Alves, que pagou pela liberdade. Acho importante eu me posicionar. Cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte”.
Em outro campo, o da política, foi o fim da pergunta que nos assombrou por seis anos. Agora sabemos “quem mandou matar Marielle” e, com a resposta, revelou-se um esquema de corrupção, agravado pelo sistema de violências políticas originadas no racismo e no machismo institucional que ainda habita os órgãos públicos.
A política ainda parece um lugar tão hostil para mulheres, negros, LGBTQIAPN+ e moradores das periferias urbanas que nos leva a questionar se nossos representantes, de fato, atuam para nos proteger.
De acordo com o estudo “Além do Plenário: Gênero e Raça no Congresso Nacional”, feito pelo Instituto AzMina com o movimento Mulheres Negras Decidem (MND), 23% dos parlamentares entrevistados são contra a criação de delegacias especializadas em violência de gênero e raça. Além disso, o Elas no Congresso, programa de monitoramento legistaivo d’AzMina, apontou que 51,8% dos congressistas em mandato não propuseram leis sobre gênero.
Em relação a casos de estupro, o Congresso tem opiniões discordantes sobre as definições dos crimes sexuais. Aproximadamente ⅓ dos parlamentares defende que não há estupro em atos libidinosos não consentidos sem conjunção carnal. E, o viés de gênero é claro e cruel: daqueles que concordam que não há crime de estupro sem penetração, 12 são homens, contra apenas uma mulher.
Felizmente, a sociedade já se mobiliza para mudar esse cenário e isso tem tudo a ver com o legado de Marielle. Como afirma Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.
A coragem da vereadora inspirou e, desde então, a presença feminina cresce a cada período eleitoral, como provado pelo Observatório das Eleições. As candidaturas femininas à Câmara dos Deputados passaram de 32,3% em 2018 para 34,7% em 2022. Mesmo que ainda aquém do desejável, a tendência de crescimento no total de mulheres eleitas se manteve estável.
A importância da presença feminina na política foi atestada pelo levantamento da Elas no Congresso: as mulheres (78,89%) têm uma produção legislativa maior sobre gênero, se comparado aos homens (55,75%). E isto é só o começo. A maior representatividade feminina na política é uma questão de igualdade e de democracia.
Sobre a autora: Bruna Abinara é jornalista e voluntária no time de newsletter da Elas no Poder. Carioca, feminista, gateira e ativista pelos direitos humanos e pela igualdade de gênero.
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