voluntária da Elas
09/04/2022
Os dados gerais mais recentes de população do Brasil são de 2010. O Censo demográfico que era realizado a cada dez anos terá dois anos de atraso, comprometendo uma série histórica.
O primeiro motivo para o adiamento foi a pandemia de COVID-19 e no ano seguinte não foi previsto orçamento dedicado ao tema. Isso prejudicou uma infinidade de políticas públicas, inclusive a vacinação contra o novo Coronavírus, que poderia ter tido uma logística mais rápida e eficiente.
Em 2010, a maioria dos mais de 190 milhões de habitantes no país era composta por mulheres. Apesar de os dados coletados a cada década serem desagregados por sexo, há uma série de indicadores que poderiam estar sendo avaliados, mas que não temos registro.
Um bom exemplo a se considerar é a Agenda 2030, com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas, todos acordados na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015, quando houve a revisão dos Objetivos do Milênio (ODM).
Apesar de ser uma agenda global, cada país deve monitorar e trabalhar para que ela possa ser cumprida até 2030 e o lema é “não deixar ninguém para trás”. O ODS 5 se refere exclusivamente à igualdade de gênero e possui 9 metas e poderia fornecer 13 estatísticas diferentes para nosso país (considerando que uma delas não se aplica ao Brasil pois é relativa à mutilação genital, prática pouco comum por aqui).
Dentre as propostas do ODS 5, estão:
Atualmente, é possível encontrar dados sobre apenas quatro delas e um outro indicador está em processo de construção no site ODS Brasil, alimentado com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Secretaria Especial de Articulação Social da República.
O governo federal, que tinha se comprometido em apresentar relatórios bienais, também conhecidos como “Revisão Voluntária Nacional” (RVN), sobre o andamento dos ODS no país, não apresentou o material no Fórum Político de Alto Nível, que ocorreu em julho de 2019 na sede da ONU, em Nova York.
O descomprometimento gerou insatisfação do grupo de trabalho da sociedade civil brasileira sobre o tema, que emitiu uma nota de repúdio sobre esta decisão. Na nota, pontuaram sua preocupação com o afastamento, cada vez maior, do compromisso que o Estado brasileiro assumiu em 2015, junto com outros 192 países-membros da organização, de implementar um modelo de desenvolvimento voltado à prosperidade, com respeito às pessoas e ao planeta, orientado pela paz e viabilizado através de parcerias multissetoriais inclusivas, que resultem em serviços acessíveis e de qualidade para todos e todas.
A falta de dados gera um efeito cascata de problemas, que vão desde a má alocação dos recursos públicos, passando pelo aumento das desigualdades, podendo fazer com que diversos desafios que impedem o progresso da sociedade como um todo não sejam resolvidos. Além disso, quando não se mapeia um problema nem a quantidade de vezes que ele ocorre, é pouco provável que ele entre na fila de prioridades de um governo para ser resolvido.
Em 2016, a ONU Mulheres chamou atenção para o fato de que apenas 13% dos países dedicavam alguma parte de seu orçamento para estatísticas de gênero. A solução encontrada foi lançar o programa “Making Every Woman and Girl Count” (em tradução livre: Fazendo com que cada mulher e menina conte).
A intenção era de que ele fosse implementado até 2020, provendo auxílio técnico e financeiro para os países para melhorar a produção e o uso de estatísticas de gênero, com a finalidade de monitorar o andamento dos compromissos feitos quanto à igualdade de gênero na Agenda 2030. Em setembro de 2019, o portal de dados Women Count foi lançado pela organização, compilando os indicadores relacionados às metas que tangem o tema.
O site divulga dados dos países e critica a falta de informação de alguns deles, como é o caso do Brasil, que apresenta lacunas em áreas-chave como a violência contra a mulher. Além disso, demonstra que faltam metodologias comparáveis para monitoramento abrangente e periódico em diversas áreas como gênero e pobreza, acesso de mulheres a recursos, assédio físico e sexual, assim como gênero e meio ambiente. A iniciativa entende que tratar tais lacunas é um pré-requisito para entender a situação de meninas e mulheres no país e para alcançar os compromissos relacionados aos ODS que tratam de gênero.
Deixar de monitorar um problema não vai fazer com que ele acabe, pelo contrário, isso pode agravá-lo, tornando-se algo que gerará ainda mais custos e impactos negativos para os cofres públicos e para o bem-estar da população no geral. Somente por meio da publicação de dados periódicos, técnicos e pesquisadores poderão fazer uma análise e propor soluções adequadas.
Texto de Layla Palis. Layla faz parte do time de Articulação Política da #Elasnopoder e é internacionalista de formação, especialista em gênero e políticas públicas e trabalha como coordenadora de cooperação multilateral no setor público. Gosta muito de memes, de ver os amigos e ir a shows.
Notas
¹https://jornal.usp.br/atualidades/atraso-no-censo-demografico-gera-impactos-na-vacinacao-contra-covid-19
²https://odsbrasil.gov.br/objetivo/objetivo?n=5
³UN WOMEN. Flagship programme: Making Every Woman and Girl Count. Disponível em: https://www.unwomen.org/en/how-we-work/flagship-programmes/making-every-woman-and-girl-count
4O perfil do Brasil no portal Women Count está disponível em: https://data.unwomen.org/country/brazil
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