09/12/2022
Em um país que condenou uma mulher por ter denunciado agressão física é o mesmo que presenciou mulheres protagonizando algumas partidas de futebol na Copa do Mundo de 2022.
Muito se tem divulgado na mídia os casos de violação de direitos humanos no país que sedia a copa, o Qatar.
Porém, estamos observando atos que tentam subverter o cenário.
Pela primeira vez, tivemos uma mulher narrando na TV aberta a transmissão do jogo.
Renata Silveira cobriu o jogo entre Dinamarca e Tunísia.
Também tivemos a primeira mulher a ser comentarista na TV aberta, Ana Thaís Matos.
E também com grande alegria comemoramos o pioneirismo no comando do jogo, com a árbitra Stéphanie Frappart, no jogo entre Alemanha e Costa Rica, e com as bandeirinhas Neuza Back, Karen Díaz Medina, Kathryn Nesbitt, Salima Mukansanga, Yoshimi Yamashita.
As mulheres escaladas na arbitragem representam apenas 4% do grupo.
Também tivemos a presença de mulheres comentaristas, como Formiga, Fernanda Colombo e Janette Arcanjo.
Todos esses nomes devem ser guardados na história do futebol pelo protagonismo insistente dessas mulheres.
Esperamos que esse seja o pontapé para uma maior representatividade feminina no futebol, um espaço que é visto majoritariamente como masculino.
Não queremos apenas uma estreia, queremos que isso se torne algo comum de se ver.
O nosso olhar é naturalizado pela presença de homens nesses espaços.
E aqui, trago uma importante reflexão de uma das maiores pensadoras e precursoras do feminismo, Simone de Beauvoir.
A autora afirma que o homem é o Sujeito enquanto a mulher é o Outro.
Nesse sentido, para Beauvoir, a mulher se define e se diferencia quanto ao homem, e não esse último quanto a ela.
Dessa forma, o homem é visto como universal, por isso nosso olhar é naturalizado a partir da presença masculina.
O homem é tomado como referência, como ponto de partida para pensarmos sobre as outras vivências.
E quando observamos mulheres desafiando esse padrão, muitas vezes, nosso olhar é estranhado.
Ouso a dizer que muitas pessoas podem nunca ter se questionado por que sempre homens estão na linha de frente desses espaços, pois o olhar delas foi moldado pelo universal masculino.
Além disso, é importante se ter em vista que as mulheres não podem ser reduzidas a características em comum.
Sendo assim, elas não compõem um grupo homogêneo.
As mulheres são diversas, plurais, atravessadas por histórias coletivas que podem acentuar desigualdades e opressões.
Devemos celebrar o nome e o esforço contínuo dessas mulheres, mas também devemos nos perguntar onde estão as outras mulheres que insistem em chegar nesses lugares, mas não têm as mesmas oportunidades.
O futebol é mais um dos lugares em que observamos o reflexo das desigualdades de gênero, de raça e de classe.
Nesse sentido, é válido nos perguntar: quem são e onde estão as mulheres negras nesses espaços? Por que não observamos uma ampla presença dessas mulheres na linha de frente? Quais obstáculos elas enfrentam até chegar lá?
A reflexão sobre mulheres é um amplo espaço para debate, e não podemos deixar que isso se perca.
Também não devemos esquecer os bastidores do grande espetáculo futebolístico, mulheres que estão nos serviços de limpeza e que atuam fora das câmeras.
Mulheres viúvas que perderam seus maridos migrantes pelas condições insalubres nos preparativos da copa.
Mulheres que, muito provavelmente, não terão seus nomes publicizados.
Contudo, é com o trabalho e insistência dessas mulheres que estamos observando, somente em 2022, passos importantes sobre a representatividade feminina.
Que possamos também celebrar a Copa do Mundo Feminina, a ser realizada em 2023, e valorizar os nomes dessas mulheres que desafiam o status quo masculino tradicional.
Nicole Brito é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC). É integrante do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM/UFC).
É pesquisadora voluntária de Comunicação Política e Opinião Pública na ONG #ElasNoPoder. Também é professora do Projeto Novo Vestibular (PNV/UFC), um cursinho de Educação Popular.
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