O ativismo de fã no K-Pop

Natasha Andrade

voluntária da Elas

02/09/2021

Produzido a partir da década de 90 após diversos fenômenos políticos, históricos e sociais, o K-Pop atingiu em poucas décadas patamares inacreditáveis e é tido, hoje em dia, como uma das maiores indústrias musicais do mundo.

Quem nunca ouviu falar de Gangnam Style do PSY? A música foi um fenômeno tão grande que quebrou o contador de visualizações do Youtube. E ela não foi a única, desde então o K-Pop está sempre nas primeiras colocações nas visualizações do Youtube.

Foi assim, por meio da internet e das redes sociais, que o K-Pop conseguiu expandir suas fronteiras como poucos gêneros musicais fora do Ocidente conseguiram. E é por meio dessa mesma internet que os fandoms (grupos de fãs) interagem entre si e com seus artistas preferidos criando uma corrente de afinidade assustadora e que promove ações gigantescas, muitas vezes em nome dos próprios artistas, que vão desde doações de arroz e arrecadação de dinheiro para doações até grandes manifestações políticas nas redes sociais.

Contexto histórico

Mas vamos começar do início. O K-pop nada mais é do que uma mistura entre a cultura musical coreana (folk, trot, baladas) e a estadunidense (rock and roll, pop, hip-hop) que ocorreu, especialmente, devido a grande ocupação do país durante e após a Guerra das Coreias (1950-53) e durante os anos 90.

Muito ocorreu entre a Guerra e os dias de hoje. Um fato importante para a música coreana aconteceu durante a ditadura de Park Chung-Hee (1962-1979). Na época, o controle musical era excessivo e diversas bandas foram tratadas como criminosas. Essas regulações voltadas especialmente para a juventude criaram um sentimento de revolta, que culminou em uma sequência de protestos estudantis em todo o país que auxiliaram no enfraquecimento do poder de Chung-Hee, que dias depois foi assassinado.

Com a democratização seguinte, os Jogos Olímpicos de 1988 e o milagre do Rio Han que colocou a Coreia como um país em ascensão econômico e tecnológico, uma nova sociedade foi se formando junto com um sentimento de globalismo. Essa vontade de expansão provocou uma nova onda de trocas culturais que aumentaram ainda mais com a globalização da época. Foi durante esse tempo que o disco, R&B e o hip-hop começaram a se estabelecer na vida noturna coreana.

Junto a esse movimento, muitos jovens músicos coreanos que até então moravam nos EUA voltaram ao seu país de origem para tentar a vida. Grupos como SOLID tentaram trazer a cultura de rua para a Coreia, o que não deu muito certo já que os coreanos não estavam muito acostumados a esse estilo. Foi aí que a ideia de misturar elementos musicais das duas culturas surgiu, o que provou ser um grande sucesso e também um grande passo em direção ao K-pop que conhecemos hoje.

A origem do K-pop

O surgimento do K-pop é um pouco incerto, mas muitos da indústria dizem que o marco inicial é o grupo Seo Taiji & Boys. Foi com eles que a fusão aconteceu de vez. O hip-hop, o rock, o rap, aliados ao que já estava sendo introduzido foi o que originou o K-pop moderno que, além da música, é composto pela dança e pela estética geral.

O ritmo contagiante, as letras chiclete, a personalidade e a moda foram, e ainda são, essenciais para a difusão do gênero entre os jovens. Na época, a sociedade em geral se chocou muito com o debut (estreia) do grupo e foi exatamente esse choque que os tornou um fenômeno da noite pro dia, principalmente para os mais novos. Outro fator que chamou muito a atenção da juventude foi o fato de as letras tocarem em assuntos do seu dia a dia, como na música “Come Back Home”, do Seo Taiji and Boys, que trata sobre a ansiedade causada pela sociedade.

Foi aí que o K-pop começou a se estabelecer como uma indústria. A mistura de gêneros e de estilos, aliada a todo o movimento cultural que ele traz, são o que o tornam único e, também, um estouro em todas as partes do mundo. A partir do momento que o K-pop se estabeleceu internamente, começou uma movimentação de expansão para mercados internacionais, primeiro asiáticos e depois ocidentais. Para entender melhor sobre a indústria, recomendamos o documentário do Youtube “K-pop Evolution“. E para conhecer mais sobre os grupos de K-pop, veja KPOP HISTORY in 20mins | From SeoTaiji to BTS

O K-pop é parte do que é conhecido como Hallyu ou Onda Coreana e é a partir dele que muitos começam a conhecer mais a fundo a cultura coreana. A Onda Coreana é um fenômeno que surgiu a partir do projeto de expansão da cultura coreana para o mundo através de fomentos do próprio governo. Hoje em dia, é a terceira maior indústria do país trazendo bilhões de dólares todos os anos.

Isso se dá em boa parte pela fidelidade gigantesca dos fãs aos idols (ídolos) que fazem de tudo para que estejam sempre no topo dos seus campos, seja ele música, atuação, moda, etc. Essa fidelidade aparece muito devido ao sentimento de unidade que a Coreia sempre possuiu que aliado ao sentimento geral de fã, tornando os fãs de K-pop diferentes de qualquer outro fã.

Ativismo de K-popper e a Internet

A internet é parte essencial do K-pop. É por meio dela que ocorre a difusão do gênero. E é nela que todas as interações entre fãs e idols, fãs e fãs, fãs e empresas e muitas outras acontecem. Apresentações em shows diversos, fancams, lives, charts, comunidades, tudo que faz parte da vivência do K-pop acontece online. É por meio dela, também, que os fãs se juntam e praticam ativismo praticamente diariamente.

O ativismo de fã é algo intrínseco do K-pop há bastante tempo. Muitos idols se envolvem em atividades sociais e políticas e isso acaba por influenciar seus fãs a fazerem o mesmo, muitas vezes em nome dos idols. O grupo BTS é um grande exemplo dessa influência dos idols no ativismo dos fãs. Além de diversos outros projetos, eles são Embaixadores da UNICEF e estão sempre advogando pelos direitos dos jovens no dia a dia, em eventos oficiais e até mesmo em seus álbuns, o que acaba sendo repassado para os fãs.

O ativismo de fã no K-pop sempre existiu de formas diferentes, mas foi com o primeiro episódio do fan rice para o cantor Shin Hye-sung (Shinhwa). Na Coreia, é comum o envio de grinaldas de flores em diversas ocasiões, incluindo em estreias e apresentações de artistas. Nesse episódio, ao invés de mandarem flores, os fãs se juntaram e mandaram sacos de arroz para que fossem posteriormente doados pelo idol. Isso se tornou um fenômeno tão grande, que nos dias de hoje existem empresas especializadas nesse tipo de “presente”.

Mas não para por aí. Além do fan rice, as arrecadações de dinheiro para caridade ou outras ações são constantes. Como exemplo, em 2018 fãs do grupo B.A.P. construíram uma escola no Gana impactando mais de 700 crianças na comunidade em Aksombo Ketem. Também houve o caso dos fãs do Seo Taiji and Boys que comemoram o 20º aniversário do grupo reunindo doações e plantaram em uma área de cinco hectares na floresta de Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro, a “Seotaiji Forest”.

Esses são apenas alguns exemplos do ativismo quase diário praticado pelos fãs de K-pop. Na internet, essa presença ativista não seria diferente, principalmente se formos pensar que os K-poppers em sua grande maioria são jovens que sabem utilizar as redes sociais muito bem. Como dito antes, a internet é a base dos fãs e é através dela que eles se comunicam, se planejam e muitas vezes agem. Desde sempre, eles se posicionaram nos mais diversos assuntos, porém houve um momento que esse posicionamento chamou a atenção do mundo todo.

O fandom do grupo BTS, denominado ARMY, se uniu aos jovens do TIK-TOK para esgotar os ingressos do comício realizado por Donald Trump em Tulsa. O objetivo era tornar o comício o mais vazio possível, dando a impressão de que ele estaria cheio, e foi exatamente o que fizeram. No dia do comício, toda a campanha de Trump se assustou com o estádio vazio.

Dias antes, os ARMYs, e posteriormente outros fandoms, já haviam se posicionado no movimento #BlackLivesMatter, oferecendo apoio nas redes e até mesmo arrecadando dinheiro. Foi durante o BLM que eles mostraram o tamanho do seu poder ao tornar inútil e, por consequência, derrubar um aplicativo da polícia de Dallas (EUA) que estava sendo utilizado para denunciar ativistas do movimento negro que participavam dos protestos. Usando o que fazem de melhor fancams (gravações de performances de idols ou vídeos com foco nos mesmos), os K-poppers lotaram o aplicativo, tornando impossível navegar por ele.

https://twitter.com/prettyboydad/status/1267130315660832768?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1267130315660832768%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.vox.com%2F2020%2F6%2F8%2F21279262%2Fk-pop-fans-black-lives-matter-fancams-youtubers-protest-support

Desde então, as fancams não são mais utilizadas só para o entretenimento, mas como um instrumento político e social em diversas partes do mundo. As arrecadações também se tornaram um instrumento importante para não só apoiar o idol, mas também pautas. #WhiteLivesMatter (usada para inviabilizar), #SaveSheikhJarrah, #SavePalestine e #MatchAMillion são apenas alguns exemplos das ações dos fandoms de K-pop mundiais, em especial ARMYs.

 

Esse fenômeno tem raiz, provavelmente, nas bases que construíram a sociedade sul-coreana, como a responsabilidade, a unidade e a consciência social, que, ao espalhar a sua cultura através do mundo, foram repassadas também aos fãs de K-pop. Essa promoção acaba por tornar uma grande parcela deles politicamente ativos e pode significar uma grande mudança na participação política dos jovens.

O K-pop, hoje em dia, vai muito além da diversão. Ele é uma plataforma de posicionamento que é utilizada tanto para promover pautas externas quanto pautas que afetam o próprio gênero de música que promovem modificações essenciais para a sociedade mundial.

 

Texto de Natasha Andrade. Bacharela em Relações Internacionais, estuda Ásia, tráfico de pessoas e direito das crianças. Nas horas vagas, ela gosta de se aventurar no mundo do kpop e fazer atividades artísticas como boa libriana.

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