03/03/2022
Muito se fala sobre os baixos percentuais de mulheres na política e a necessidade de ampliação do acesso das mesmas a esse espaço de poder.
Existem tantos dados que comprovam a exclusão das mulheres na política que talvez nem fosse necessário escrever mais um artigo para sintetizar essa violência cotidianamente exposta.
Mas, hoje, eu quero falar com aquelas mulheres que também fazem parte da política e aquelas pessoas que têm empatia pela luta diária que nós mulheres travamos para transformar a política em um lugar mais acessível e democrático.
Ao deixar um pouco de lado os dados e estatísticas desse cenário, o foco aqui é discorrer sobre a crueldade que permeia a nossa existência nesses ambientes.
Nós mulheres somos corpos estranhos na política brasileira, quase entendidas como intrusas e como todo corpo estranho o hospedeiro trabalha para amenizar, neutralizar e expulsar. É assim que me sinto constantemente fazendo política.
Sou uma jovem de 29 anos que começou a política aos 17 anos no movimento estudantil. Não vim de família rica, não tenho padrinhos políticos, não sou filha ou esposa de nenhum político e isso me torna um vírus agressivo ao sistema.
O isolamento que mulheres como eu sofrem na política não se trata de simples desprezo, mas de um combate pela permanência dessa estrutura.
Logo no início da minha caminhada ficou claro que os homens jovens sem muito esforço eram vistos como apostas de futuros quadros políticos, enquanto minhas colegas e eu éramos alocadas incansavelmente em posições administrativas, as “mães dos escritórios políticos”.
A pergunta mais frequente que eu ouvia aos 17 anos não era sobre minhas futuras pretensões eleitorais, mas se o colega de partido era meu namorado. Logo, ficou evidente como eu e todas as mulheres da minha idade eram vistas. Curiosamente, nenhum jamais foi questionado se estava ali por ser meu parceiro.
A surpresa dos políticos detentores de mandato eletivo e lideranças partidárias ao ver uma jovem mulher que se encontrava na política exclusivamente por interesse político demonstra o nível de inconveniência e estranheza que representamos para os espaços políticos.
Ao longo desses anos queria poder dizer que me deparei com a revolução desses pensamentos e comportamentos, no entanto, seria uma inverdade e como podem perceber não é esse meu papel na política.
Dos opositores e desconhecidos ouvimos insinuações, xingamentos e menosprezo, de outro lado, pelos aliados somos infantilizadas, assediadas e ignoradas quanto às avaliações de conjuntura, além de receber menores remunerações.
Falamos com frequência sobre a subjetividade dos ataques contra as mulheres na política, mas na verdade eles são bem objetivos. Homens que acham que tem intimidade para perguntarem nossa orientação sexual e se temos namorado(a) não são nada subjetivos, são assediadores.
Homens que colocam mulheres nas fotos apenas para “embelezar ou democratizar” o ambiente porque são incapazes de fazer alianças reais com mulheres não são nada subjetivos, são oportunistas.
Homens que acham que os primeiros cortes de orçamento são nas funcionárias mulheres mesmo quando elas têm mais responsabilidades, repito, não são nada subjetivos, são propagadores da desigualdade salarial. Essa falsa subjetividade para aliviar as críticas aos homens no ambiente político não nos cabe. Cabe exclusivamente a eles se abster desses comportamentos.
Os ambientes políticos costumam reproduzir que “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, tal frase vem de uma reflexão espirita de Allan Kardec, no O Livro dos Espíritos, onde ele diz que não basta não fazer o mal, é preciso fazer o bem.
Essa regra tão bem aplicada aos casos de racismo estrutural também é aplicável ao machismo político. Apenas observar o “fluxo natural” do machismo dentro dos ambientes políticos onde os homens tiram vantagens contínuas não é suficiente.
Sair do local de privilégio, avaliar com cuidado os próprios comportamentos e principalmente REAGIR para mudar essa cultura é necessário.
Longe de mim ser pessimista, mas é preciso dizer que não existe ambiente de conforto na política para nós mulheres. Mas, isso não importa. Somos resilientes para trazer equidade para as próximas gerações.
As mulheres que nos antecederam na política foram combativas e nos garantiram o direito ao voto, o direito a sermos votadas e regras que tentam promover justiça histórica. A nós cabe sermos resilientes e combativas para realizar novas conquistas.
Entendam que o espaço que queremos ocupar não é uma ameaça aos que estão no poder, é um fato e ninguém pode parar. Não somos vírus, somos vacina e nesse caso obrigatória.
Texto de Thaynara Melo. Thaynara é colaboradora do blog, tem 29 anos, graduada em biblioteconomia pela UnB e possui MBA em Gestão Pública pela UDF. Foi diretora da UNE, fundadora da Teia Solidária e co-fundadora do Movimento Acredito no DF. Atualmente atua na Câmara Legislativa do DF desde 2019 e é Liderança Pública da RAPS 2022, Líder 2022 do Instituto Vamos Juntas! e colunista de opinião do Congresso em Foco. Fã de Anitta, acaba sendo embalada pela diva brasileira nos trabalhos pela madrugada.
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