Moda e política: um relacionamento sério de posicionamento

Fernanda Paixão

voluntária da Elas

03/03/2023

Premiações, cerimônias  e eventos políticos, semanas de moda e carnavais. O que esses eventos têm em comum é a relação indissociável entre moda e política, que comunica, discretamente ou não, os protestos e os anseios de gerações em relação ao seu presente e ao seu futuro. 

Ambas andam juntas porque são, segundo a consultora de imagem e cientista política Lorena Moraes, comportamentos sociais capazes de comunicar posicionamentos. Comunicação, muitas vezes, não verbal.

Na política, onde a comunicação é essencial para firmar acordos e levantar discussões sobre temas importantes para a sociedade, falar sem dizer uma palavra também é capaz de  estreitar laços com o eleitor e os lembrar das causas pelas quais lutam. 

Há anos é usada dessa maneira pelos movimentos políticos e sociais, pois a linguagem não verbal é a primeira forma de comunicação do estilo pessoal, aponta a consultora de imagem. 

Para Lorena Moraes, a utilização da moda por mulheres ativas na política traz protagonismo, tirando-as de uma posição acessória ao homem e  vestindo-as de com seus compromissos, crenças, cultura e ancestralidade. 

“A importância desse ato está no fato dessas mulheres terem o poder de usar seu protagonismo para dar voz e visibilidade a várias causas, reafirmando sua importância”, afirma a cientista política.

Foi o que aconteceu nos primeiros dois meses de 2023, quando o posicionamento marcou as cerimônias de posse aos cargos públicos no Brasil. 

Aniele Franco e Sônia Guajajara trouxeram suas ancestralidades para suas respectivas posses como ministras da Igualdade Racial e Povos Originários, respectivamente. 

A escolha evidencia suas origens e suas lutas, compromissos essenciais para atuar em tais ministérios. 

Já no caso de Janja, esposa do atual presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, um terninho de alfaiataria assinado pela estilista brasileira Helô Rocha chamou atenção durante a cerimônia de posse para a sustentabilidade no mundo da moda e o protagonismo das mulheres brasileiras no processo de produção da moda nacional. 

Para além da formalidade, seu guarda-roupas cotidiano já mostrou mais de uma vez seu alinhamento político.

Leveza ao “indiscutível”

Recentemente, moda e política também se uniram no Baile da Vogue, no dia 10 de fevereiro.

 No tapete azul do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, um grupo de ativistas e criativos indígenas, entre eles Txai Suruí e Samela Sateré Mawé, vestiam a marca indígena Nalimo, assinada pela estilista Dayana Molina, que estava no grupo. 

A marca se propõe a descolonizar a moda, oferecendo peças criadas a partir da vivência indígena sem reforçar estereótipos colonialistas. 

Esta foi a segunda vez que o evento contou com tal posicionamento, ocorrendo o mesmo em sua edição passada.

Não à toa, são os tapetes vermelhos e de confetes os escolhidos para essa conversa.  Ambientes onde a criatividade reina costumam aliar diversão e conscientização de maneira descontraída. 

Nos blocos de rua no Rio de Janeiro, os foliões se inspiraram em Lula, Jair Bolsonaro, Alexandre de Moraes e até mesmo Janja para suas fantasias. Críticas ao patriotismo exacerbado também foram feitas. 

Em anos anteriores, além de figuras públicas, críticas à corrupção, às candidaturas laranjas, à Lava Jato e à crise da qualidade de água da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro também foram escolhas dos foliões.  

Segundo Lorena, festividades como essas podem trazer leveza a temas considerados sensíveis ou “desagradáveis”. 

A política é um grande exemplo ao carregar o estigma de ser “indiscutível”. 

Levar informações de posicionamento político para esses ambientes desmistifica o fato de que política não é para todos e faz um movimento de acessibilidade para os mais diversos públicos e nichos da sociedade”, afirma a consultora.

Moda e política no cotidiano é possível?

Ao olhar para a história  é possível observar que moda e política também andam lado a lado nas situações mais comuns do dia a dia. 

Isso porque “a política está nas relações cotidianas, nos arranjos relacionais assim como nas esferas de poder público”, afirma a profissional. 

Um dos instrumentos dessa comunicação está refletido no estilo pessoal.

Uma simples calça jeans transmite a mensagem de democracia e se tornou peça essencial do guarda roupa cotidiano, pessoal e profissional. 

Os rasgos na peça e o visual detonado remontam ao trashion e compõem até hoje a estética punk de contestação. 

Lorena aponta ainda a importância da estética do black power em movimentos como o do orgulho negro na América do Norte nas décadas de 60 e 70 como elemento de resistência política e poder para o povo preto. 

“E mais recentemente o movimento crescente do uso dos fios de cabelo em textura natural ou modificados por tranças e penteados como usado pela Ministra Anielle Franco, comunicando resistência estética e cultural de um povo.”

Dessa forma, a consultora de imagem e cientista política explica que é muito difícil uma pessoa ter um estilo apolítico, ou seja, não se expressar politicamente através do seu estilo. 

Isso porque cada peça foi criada sob um contexto político e social, às vezes desconhecido, sendo assim impossível desassociá-los.

O ser apolítico é um posicionamento e mostrar isenção e imparcialidade total diante de fatos sociais que afetam a nós todos, não é tarefa fácil. No entanto, o exercício singular de um estilo apolítico é sim possível desde que planejado de forma intencional”, afirma. 

 

 

Por Fernanda Paixão. Fernanda escreve sobre política, economia, sociedade e empoderamento como jornalista freelance. É voluntária do Time de Comunicação da #Elasnopoder. É mãe de planta, apaixonada por livros policiais, filmes e séries com uma pitada de crítica social e, é claro, moda.

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Comentários (1)

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Lorena Moraes 22 de março de 2023 Uma honra ter contribuído com essa matéria com assunto tão importante de ser falado!
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