Minirreforma eleitoral ameaça igualdade de gênero e diversidade na política brasileira

Natália Lima

voluntária da Elas

21/09/2023

Dispensa dos 30% de candidaturas femininas levanta preocupações sobre retrocesso nas conquistas alcançadas e perpetuação do poder masculino branco

A minirreforma eleitoral que acaba de ser aprovada na Câmara dos Deputados acende um sinal de alerta no que diz respeito à igualdade de gênero e diversidade na política brasileira. 

Uma das mudanças mais alarmantes é a dispensa dos 30% de candidaturas femininas nas eleições. Essa é uma conquista recente, de abril de 2022, que o Congresso Nacional promulgou através da Emenda Constitucional 117 (originária da PEC 18/21), obrigando os partidos políticos a destinar, no mínimo, 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas. 

A dispensa dessa obrigatoriedade abre brechas para o uso de candidaturas laranjas e dificulta a aplicação de penalidades às siglas que desrespeitam a cota de gênero, portanto, representa um retrocesso nas conquistas alcançadas pelas mulheres na política até aqui.

Cota de gênero: por mais representação feminina na política

A cota de gênero foi estabelecida para garantir uma maior representatividade feminina na política, setor que historicamente excluiu as mulheres dos espaços de poder. Essas cotas estabelecem um percentual mínimo (30%) de candidaturas de cada gênero nas eleições, com o objetivo de assegurar uma representação mais equilibrada nos cargos políticos. 

No entanto, é comum observar tentativas de diminuir ou até mesmo eliminar essas cotas, o que representa um retrocesso na luta pela igualdade de gênero. Se essa dispensa for aprovada no Senado, estaríamos diante de mais uma mudança nas regras eleitorais feita de forma precipitada, sem a consulta da sociedade civil e prejudicando as candidaturas de mulheres.

Uma das principais justificativas para diminuir as cotas de gênero nas candidaturas é a ideia de que a meritocracia deve prevalecer e que as mulheres devem ser eleitas com base em suas capacidades individuais, e não apenas devido a uma cota. No entanto, essa argumentação desconsidera a existência de barreiras estruturais e culturais que dificultam a ascensão das mulheres na política.

As mulheres continuam enfrentando desigualdades de gênero em diversos aspectos da vida, desde a divisão desigual de tarefas domésticas até a desvalorização de seu trabalho e competências. Esses obstáculos se refletem também na esfera política, onde o machismo, a falta de apoio partidário e a escassez de recursos financeiros são apenas algumas das barreiras enfrentadas pelas mulheres candidatas.

Além disso, sem a representação adequada das mulheres na política, é mais difícil garantir que suas demandas sejam ouvidas e atendidas, dificultando a implementação de políticas efetivas para combater a violência de gênero, promover a igualdade salarial e garantir direitos reprodutivos.

Exclusão dos recursos públicos em campanha de candidaturas negras

Outras questões que também chamam a atenção são, por exemplo, a exclusão das candidaturas negras dos critérios de distribuição de recursos do Fundo Partidário e do tempo no horário eleitoral gratuito. Essa decisão representa uma maneira de perpetuar o domínio político masculino branco. 

A anistia total garantida aos partidos que não cumprirem o mínimo de candidaturas negras e femininas é inaceitável, pois não há incentivos para que as siglas cumpram a cota de gênero e diversidade.

A reserva de apenas 20% dos recursos públicos em campanhas para candidaturas negras também é insuficiente. Deixar a aplicação de recursos nas mãos dos partidos é permitir que o poder continue concentrado nas mãos de uma minoria dominante. Não podemos aceitar nenhum retrocesso quando se trata da representatividade feminina e da inclusão de minorias na política.

A diversidade na política é fundamental para uma democracia saudável, pois traz diferentes perspectivas e experiências para as tomadas de decisão. É crucial que as leis e normas promovam a igualdade de gênero e diversidade, em vez de perpetuarem o domínio do poder por parte dos homens brancos.

Precisamos exigir que a sociedade civil seja consultada antes de qualquer mudança nas regras eleitorais. Somente assim poderemos avançar rumo a uma política verdadeiramente representativa e igualitária.

Contextualização da minirreforma eleitoral no Brasil

A minirreforma eleitoral no Brasil refere-se a um conjunto de alterações na legislação eleitoral do país, implementadas com o objetivo de aprimorar o sistema eleitoral e promover maior transparência e equidade nas eleições.

A primeira minirreforma eleitoral ocorreu em 2015, com a aprovação da Lei nº 13.165/2015. Essa reforma trouxe diversas mudanças, das quais se destacam: a redução do tempo de campanha eleitoral de 90 para 45 dias; a proibição de doações de empresas a partidos políticos e candidatos; a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que se tornou a principal fonte de recursos para financiar as campanhas eleitorais; e a obrigatoriedade de divulgação detalhada dos gastos de campanha na internet.

Essa minirreforma foi motivada, em parte, pelos escândalos de corrupção envolvendo doações de empresas a políticos e partidos, que ficaram evidenciados pela Operação Lava Jato. A proibição das doações empresariais foi uma medida destinada a reduzir a influência do poder econômico nas eleições e garantir maior equidade entre os candidatos.

Além disso, a criação do FEFC buscou suprir a falta de recursos financeiros para as campanhas, uma vez que as doações empresariais foram proibidas. O fundo é abastecido com recursos públicos, provenientes do orçamento da União, e sua distribuição é feita de forma proporcional às bancadas dos partidos na Câmara dos Deputados.

Outra mudança significativa trazida pela minirreforma foi a obrigatoriedade de divulgação detalhada dos gastos de campanha na internet. Isso promoveu maior transparência e permitiu que os eleitores acompanhassem de forma mais precisa como os candidatos estavam utilizando os recursos públicos.

No entanto, é importante ressaltar que a minirreforma eleitoral não solucionou todos os problemas do sistema eleitoral brasileiro. Questões como o financiamento de campanhas, a representatividade dos partidos políticos e a influência do poder econômico ainda são desafios a serem enfrentados. Embora tenha promovido avanços significativos, é necessário continuar debatendo e buscando soluções para aprimorar ainda mais o sistema eleitoral brasileiro.

Devemos reconhecer que somente com uma política inclusiva poderemos construir um país mais justo, igualitário e diverso para todos!

 

Natália Lima

(Coordenadora de conteúdo da Elas)

Jornalista, com mais de 20 anos na comunicação política. Geminiana, multitarefas, mãe de um casal de filhos e de uma shihtzu. Ama trabalhos manuais e culinária.

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