Maternidade em ambientes políticos e violência de gênero

Karoline Marques

voluntária da Elas

16/05/2023

O segundo domingo de maio no Brasil é marcado pela data que celebra o Dia das Mães, e no ano de 2023 a celebração caiu no dia 14. 

A data pode servir de interface para discutir o panorama da maternidade e política como elo forte. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, as mulheres brasileiras representam mais de 51% da população, no entanto, dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelam que apenas cerca de 15% dos membros do Congresso Nacional são mulheres. 

Ao acessar o site da Câmara dos Deputados, a falta de representatividade feminina e materna na política torna-se evidente. Uma pesquisa por propostas legislativas relacionadas ao termo “maternidade” revela uma quantidade significativa de projetos apresentados por homens e uma pequena quantidade de propostas por mulheres. 

A vida política é ativa durante a campanha, envolvendo a conciliação de debates, disputas políticas, campanhas, votações em plenário, além de atividades como caminhada e divulgações nas ruas. Essa corrida eleitoral contra o tempo implica viagens frequentes para diferentes cidades e reuniões incessantes, sem excluir os finais de semana e feriados. 

No entanto, o maior desafio de conciliar a maternidade com a atuação política se apresenta mesmo quando essas mulheres são eleitas.

A violência de gênero política se estende aos descendentes

Manuela D’Ávila, ex-deputada federal que concorreu a vice-presidência do Brasil em 2018, tem enfrentado de forma contundente diversas formas de violência política e de gênero ao longo dos anos, tanto ela quanto sua filha. 

As violências direcionadas a Manuela e sua filha começaram cedo e foram se intensificando a ponto de levá-la a desistir de concorrer ao Senado devido aos ataques que vinha sofrendo. O histórico de violência começou quando sua filha, com apenas 45 dias de vida, foi agredida por alguém que acreditou em notícias falsas propagadas nas redes sociais, enquanto estava nos braços de Manuela.

Em 2020, durante sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre, Manuela precisou recorrer à polícia para investigar as ameaças direcionadas à sua filha. Ameaças de estupro e morte, tanto  contra Manuela quanto sua mãe e filha, são recorrentes. 

Em agosto de 2022, novas denúncias foram feitas e a candidata compartilhou: 

“Ser uma mulher pública no Brasil é ser ameaçada permanentemente […] Ser mulher pública é ouvir de muitos que não aguentariam nem metade que tá tudo bem, que é assim mesmo. Como se fosse o preço a pagar por estar num lugar que não é o nosso, que não é pra nós. Essa é mais uma das ameaças que eu, minha filha e também minha mãe sofremos”

Suas narrativas maternas estão descritas em seu livro “Revolução Laura”, onde relata a agressão física à sua filha durante um evento público. Sobre isso, ela conta: 

“E então, no meio da festa, enquanto curtíamos o lindo show de Duca, uma mulher me agrediu e agrediu a Laura, que estava pendurada no sling. Batia no corpinho dela, enrolado no tecido, perguntando se eu havia comprado aquilo em Cuba ou na Coreia ou se havia comprado nas minhas férias em Miami com dinheiro público. Vou repetir, porque é importante: uma mulher dava batidas no corpo de um bebê com menos de dois meses pendurado no colo de sua mãe por causa de uma notícia falsa. Você consegue se imaginar nessa situação?”.

A violação ao direito à licença-maternidade

Em 2021, a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL) enfrentou uma batalha de narrativas, quando tirou licença-maternidade após dar à luz a seu filho. Ela precisou usar suas redes sociais para explicar o motivo de não ter participado das sessões na Câmara. 

O problema surgiu quando nos painéis de votação constava apenas a informação da sua ausência na sessão, levantando dúvidas se ela optou por não se posicionar sobre determinado tema ou se simplesmente não compareceu. 

Diante disso, Sâmia enviou um pedido à Mesa Diretora da Câmara para que fosse indicado nos painéis de votação do plenário e nas comissões quando uma parlamentar estivesse de licença-maternidade. Essa luta pela licença-maternidade na Câmara é antiga, uma vez que até 1993 as parlamentares não tinham o direito de usufruir dessa a licença e precisavam recorrer a outras formas de afastamento, como o auxílio-doença. 

A primeira parlamentar a exercer esse direito foi a deputada Jandira Feghali, no início dos anos 90, quando sugeriram que ela tirasse uma licença médica, algo que ela prontamente recusou, enfatizando a importância urgente de reconhecer a licença-maternidade para uma parlamentar. 

Diferentemente das servidoras públicas, que têm direito a uma licença-maternidade por 6 meses, as parlamentares possuem apenas 4 meses, o que é considerado insuficiente para atender a todas as demandas de um recém-nascido. Um exemplo disso é a recomendação da Organização Mundial da Saúde de que o aleitamento materno exclusivo seja realizado por pelo menos 6 meses. 

Sâmia Bomfim teve seu pedido atendido, e a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados implementou a sinalização nos painéis indicando as ausências devido à licença-maternidade (ou paternidade).

Sâmia destaca-se por sua ampla atuação na proposição de políticas públicas voltadas para mães, que vão de PL sobre a livre escolha de métodos contraceptivos, projeto de acolhimento a gestantes e mães em ambientes universitários, à obrigatoriedade de instalação de fraldários em locais públicos e privados.

Um vídeo da deputada federal Talíria Petrone (PSOL) amamentando sua filha enquanto discursava na Câmara ganhou as redes sociais. A bebê estava em uma bolsa canguru, e a parlamentar prosseguiu com a sua fala enquanto a menina era amamentada. Embora algumas pessoas tenham criticado a cena, alegando que amamentar em “praça pública” não era apropriado, é importante ressaltar que essa ação representa o direito de uma criança. 

Muitas mães que se dividem entre a função de cuidar dos filhos e trabalhar se sentiram representadas por essa imagem. Outras parlamentares também já levaram seus filhos para o plenário, mostrando a importância de criar espaços mais inclusivos e acolhedores para as mães no ambiente político.

A representatividade política feminina

A relação traçada entre maternidade e trabalho representa um dos maiores desafios enfrentados pelas mulheres em suas carreiras, muitas vezes resultando em abdicações devido à falta de apoio no ambiente de trabalho. 

Esse cenário se reflete de maneira significativa no âmbito político. Um exemplo concreto da falta de incentivo às mulheres e da presença de violência de gênero no ambiente político é a demora em providenciar banheiros femininos adequados no Senado. Foi somente em 2016, após 55 anos de sua inauguração, que o banheiro feminino foi finalmente construído.

O não reconhecimento generalizado indica que o exercício profissional das mulheres não é assegurado quando também são mães. Em 2022, as candidaturas femininas representaram 33,3% nas esferas federal, estadual e distrital. As mulheres correspondem a 53% do eleitorado do país, totalizando 82 milhões de eleitoras. No entanto, sua representação no Senado é de apenas 17,28% das cadeiras.

A Lei 12.034 de 2009 foi criada como uma forma de combater a desvalorização das candidaturas femininas e incentivar a participação das mulheres na política. Essa lei estabelece um percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. 

No entanto, o que ocorre na prática é a ocorrência de fraudes eleitorais conhecidas como “candidatas laranjas”, que são uma tentativa fraudulenta de contornar as cotas estabelecidas por lei. Infelizmente, é comum que os partidos não optem por igualdade na distribuição de porcentagens em suas candidaturas, o que acaba resultando na aplicação dos 30% obrigatórios para candidaturas de mulheres. É importante ressaltar que, dos 32 partidos políticos brasileiros, apenas seis são presididos por mulheres. 

Esses partidos são o PT, com a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR); PCdoB, com Luciana Santos (vice-governadora de Pernambuco); PRTB, com Aldinea Fidelix; Podemos, com a deputada federal Renata Abreu (SP); PMB, com Suêd Haidar; e Rede Sustentabilidade, com a ex-senadora Heloísa Helena.

A atuação das mães na política representa um movimento revolucionário diário. É crucial estabelecer políticas públicas que combatam a violência de gênero e protejam efetivamente os direitos das mães e seus filhos. 

É necessário incentivar candidaturas femininas e garantir que as parlamentares que também são mães sejam tratadas com seriedade e respeito, para que possam trabalhar em prol do povo com segurança e os direitos necessários para realizar suas agendas políticas. O Dia das Mães, além de tudo, é um dia político.

Referências

 

Karoline Fernanda Marques é escritora, integrante da Associação Nacional de Escritores – ANE, voluntária do UNICEF Brasil, da equipe de comunicação do #Elas no Poder e graduanda em Direito em Portugal.

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