Machismo e racismo algorítmicos

O algoritmo é um conceito que tem instigado muitas pessoas ultimamente: o que é, como e pra que(m) funciona são perguntas tanto banais quanto complexas. Nesse artigo, vamos tentar compreender como nossos enraizados preconceitos estão sendo reafirmados pela tecnologia.

Naomi Cary

voluntária da Elas

01/04/2021

Comecemos explicando o que é algoritmo: de forma bem resumida, algoritmo é o conjunto de dados e ações realizáveis em algum lugar do mundo digital. Confuso? Aí vai um exemplo: quando você entra no Instagram, tem a opção de abrir os stories ou descer o feed, certo? Você escolhe fazer uma dessas coisas por algum motivo – porque alguém que te interessa postou algum storie ou porque você viu a metade de uma foto que chama sua atenção no feed.

Você faz tais escolhas, de realizar ações considerando as possibilidades do conjunto de dados que a plataforma tem sobre suas preferências, faixa etária, gênero, etnia… E aí que está o problema! Esses dados e ações são previstos e criados através da linguagem da programação, outro termo temido por algumas pessoas. Vamos entender ele também? Quando você entra no Youtube e uma prévia dos vídeos aparecem na medida que você desce o mouse ou passa o cursor em algum deles, é como se uma pessoa tivesse passado um comando – “máquina, quando essa pessoa passar o cursor aqui, você vai reproduzir trechos desse vídeo”.

Aqui começamos a problematizar esses processos. Uma máquina só aprende o que é ensinado e é assim que ela o faz: o programador cria a categoria de “mulher” dentro de uma plataforma e insere as imagens que ele considera correspondentes a de uma mulher naquele programa. Se ele não incluir mulheres negras ou trans, a máquina não vai entender que aquelas também são mulheres, e excluirá o resto. Ou seja, os preconceitos dos programadores são ensinados às máquinas, que os reproduzem de forma automática.

Digo programadores pois essa é a questão: uma vez que mulheres são desencorajadas a seguir carreiras nas chamadas “ciências duras” ou exatas, e pessoas negras e não cisgêneras lidam não somente com o desencorajamento mas limitações estruturais socioeconômicas relacionadas à educação; a maioria esmagadora das pessoas que fazem programação são homens, cisgêneros e europeus.

Anúncios pagos segmentados também carregam muitos estigmas que acreditávamos estar sendo superados: cargos que exigem maior formação ou de posição de liderança são preferencialmente enviados para homens brancos, enquanto subempregos são frequentemente enviados para mulheres negras.

Falácias sobre o tema

Assim como na política tradicional, a internet corrobora com os estigmas impostos pelas categorias estruturantes. Aqui estão as falácias que mais se repetem quanto a esse tema:

  • Meritocracia digital: Ao passo que, para homens, branques e pessoas cis, a estrutura necessária para estar no mundo digital como protagonistas não é a mesma que a de grupos fora desse padrão
  • Ambiente neutro: o discurso de que na internet existe mais liberdade, diferente da televisão, que é controlada pelas grandes marcas também cai por terra quando paramos para analisar tanto o acesso à presença digital – já tratado no tópico anterior – mas também o alcance e remuneração. Produtores de conteúdo e influencers negres, por exemplo, chegam a receber até a metade pelo mesmo serviço oferecido por influenciadores branques, de acordo com a pesquisa “Um retrato sobre Creators Pretos no Brasil”
  • Insignificância da interação: são muitas as pessoas que não compreendem o impacto de suas ações na internet. Mesmo sem curtir ou comentar um conteúdo, você está interagindo com ele. Ao assistir um vídeo ou ler um texto completo que reafirme estereótipos ou discurso enviesado, você está falando para o algoritmo: “esse conteúdo é tão bom que vale a pena ser consumido até o final”.

Como agir

Agora que você já sabe como o algoritmo opera e quais as mais comuns armadilhas do discurso da neutralidade tecnológica, confira três dicas de ações que podem nos ajudar a percorrer outros caminhos:

  • Denuncie: ao se deparar com uma publicação ou conteúdo que reforce estereótipos, denuncie para a própria plataforma. A maioria delas tem um botão específico para manifestar descontentamento.
  • Apoie conteúdos feitos por minorias: consuma, curta e compartilhe conteúdos produzidos por mulheres, negras e não cisgêneras. O engajamento orgânico – não pago – é muito importante para levar mensagens importantes para o máximo de pessoas possível
  • Seja programador/a: se o problema do algoritmo é que ele é ensinado e alimentado por um grupo muito pouco representativo, a solução é formar cada vez mais pessoas que programam e que não estão nos limites do padrão.

 

Ao contrário das promessas que foram feitas no começo dos anos 2000, no que tange ao potencial da internet, não encontramos um universo totalmente neutro e livre. Pelo contrário, as mesmas estruturas que já existiam foram transportadas para o mundo digital, apresentando novos problemas e paradigmas.

Se antes “ativista de sofá” era uma ofensa (que se referia a pessoas que só se engajam em ações sociais na internet) hoje, compreendemos que o que nós fazemos na internet tem uma relação mais íntima com o “mundo real” do que gostaríamos de assumir.

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