Lei de Cotas e mulheres negras na Universidade

Maria Eduarda de Oliveira

voluntária da Elas

25/08/2023

Em 10 de agosto, foram aprovadas na Câmara dos Deputados as alterações que preveem a prorrogação e revisão da Lei de Cotas (PL 5384/2020). O objetivo deste artigo é apresentar as alterações propostas, um breve histórico das cotas étnico-raciais e a presença de mulheres negras na Universidade.

Histórico da Lei de Cotas 

Em 29 de agosto de 2012, foi promulgada a Lei 12.711, que estabelece a reserva de vagas para estudantes negros, indígenas, pessoas com deficiência, de baixa renda e provenientes de escolas públicas, visando o ingresso em universidades públicas e institutos federais de ensino técnico. A lei determina a reserva de vagas para essas categorias em uma proporção de 50% do total de vagas.

Essa lei representa um avanço na busca pela reparação racial e histórica no país. No entanto, é essencial reconhecer não apenas a existência da lei, mas também o histórico de luta e mobilização das organizações do movimento negro, que desempenharam um papel fundamental nesse processo.

No início dos anos 2000, testemunhamos as Universidades pioneiras que adotaram a reserva de vagas para estudantes negros, com destaque para a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS). Em 2004, a Universidade de Brasília (UnB) tornou-se a primeira instituição federal a adotar o sistema de cotas raciais. 

Logo em seguida, outras universidades federais passaram a implementar as cotas, culminando na necessidade de uma Lei Federal que padronizasse o modelo de aplicação.

Cotas e mulheres negras na Universidade

No ano de 2013, 22% das pessoas que ingressaram no ensino superior no Brasil eram mulheres negras; já em 2019, esse número chegou a 27%, reflexo da política de cotas

A porcentagem de 16% de mulheres negras que ingressaram em universidades públicas em 2021 reflete a sub-representação desse grupo no ensino superior público. Por outro lado, esse grupo representa 84% dos estudantes em instituições privadas no mesmo ano. 

Entre os anos de 2006 e 2020, o número de mulheres negras universitárias de cursos mais concorridos pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) duplicou

Apesar das mulheres negras representarem hoje um quarto de todos os universitários do país, os desafios enfrentados por elas dentro da Universidade ainda são enormes. Alguns desses desafios estão indicados abaixo:

  • Permanência: mais do que apenas ingressar na Universidade, é essencial que a mulher negra tenha acesso às políticas de permanência, como moradia estudantil, alimentação, transporte, materiais didáticos, entre outros. Essas políticas são capazes de assegurar o bem-estar da estudante e contribuir para a conclusão do curso;
  • Saúde mental: ligada às questões de permanência, o acesso a recursos que garantam saúde mental se torna necessário para lidar com desafios pessoais e sociais, incluindo as várias formas de violência enfrentadas por mulheres negras de baixa renda; 
  • Tripla jornada: a estudante negra e de baixa renda muitas vezes enfrenta uma tripla jornada, equilibrando estudos, trabalho e responsabilidades de cuidados, incluindo afazeres domésticos e cuidado com pessoas. A falta de uma rede de apoio pode tornar ainda mais desafiadora a conciliação dessas diferentes áreas da vida;
  • Elitismo universitário: embora as políticas de cotas tenham possibilitado a inclusão da população negra no ambiente universitário, ainda persistem elementos de elitismo que excluem essas alunas. O modelo educacional muitas vezes não se adapta à realidade social das estudantes cotistas, refletindo elitismo e tradicionalismo universitário que favorecem um formato de ensino voltado para os mais privilegiados, o que impacta diretamente a experiência acadêmica das alunas de baixa renda.

Qual o futuro da Lei de Cotas?

Conforme estabelecido na Lei 12.711/2012, a revisão da Lei de Cotas deve ocorrer a cada 10 anos a partir da data de sua sanção. Portanto, essa revisão deveria ter acontecido em agosto de 2022, entretanto, ocorreu e foi aprovada pela Câmara em agosto deste ano.

O novo texto do Projeto de Lei, proposto pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), traz modificações em relação ao texto original. A primeira delas é que, caso a nota do estudante que concorre a uma vaga por meio das ações afirmativas seja suficiente para ingressar na Universidade pelo sistema de ampla concorrência, ele não ocupará a vaga destinada às cotas. Essa regra visa permitir que mais estudantes negros, indígenas e provenientes de escolas públicas possam ocupar o total de vagas disponíveis.

Outra alteração de grande relevância é a destinação de 50% das vagas reservadas para cotas aos estudantes com renda mensal de até 1 salário mínimo per capita. No texto anterior, estava prevista a reserva de vagas para estudantes com renda de até 1,5 salários mínimos per capita, destacando a necessidade de inclusão dos estudantes mais economicamente desfavorecidos no ensino superior.

Por fim, é crucial ressaltar a inclusão da população quilombola na política de cotas. Segundo o Censo do IBGE de 2022, o Brasil abriga mais de 1 milhão de pessoas que se autodeclaram quilombolas, sendo que quase 90% delas vivem fora dos territórios oficialmente delimitados. Diante dessa realidade, torna-se essencial desenvolver políticas que permitam a inclusão desse segmento da população nas universidades.

 

Maria Eduarda é cientista social em formação e voluntária na Elas No Poder.

 

Referências 

10 anos da Lei de Cotas: o que mudou?

A lei de cotas é um desdobramento de uma longa luta das organizações negras.

O muro permanece alto para mulheres negras.

Quase 90% dos quilombolas vivem fora de territórios delimitados.

População quilombola é de 1,3 milhão, indica recorte inédito do censo.

Revisão da Lei de Cotas amplia ações de inclusão nas universidades.

Mulheres negras dobram participação nos cursos mais disputados do Prouni.

Mulheres negras passam a ser um quarto dos universitários no Brasil. 

De 1 a 10, quanto você recomendaria esse conteúdo?

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Enviando avaliação...

Comentários (0)

Escreva um comentário

Mostrar todos