Fake news e mulheres na política: 3 coisas que você precisa saber sobre o assunto

Isabelli Neckel

voluntária da Elas

07/10/2021

Manuela d’Ávila teria usado uma camiseta com a frase “Jesus é travesti” estampada. Dilma Rousseff teria gastado 73 milhões de reais em salão de beleza. Tábata Amaral teria sido financiada por um bilionário que defende a pedofilia.

Todas essas afirmações são, obviamente, mentiras. Se para você, leitora, isto parece óbvio, saiba que centenas de milhares de pessoas compartilharam – e continuam compartilhando – essas “notícias” em suas redes sociais. Pensando nisso, vamos apresentar 3 coisas que você deve saber sobre fake news, este fenômeno que pode ser uma arma silenciosa e cruel contra mulheres na política.

O que são fake news?

As chamadas fake news fazem parte de um amplo conceito chamado “desinformação”. É importante diferenciar fake news de outros tipos de desinformação, como descontextualização, sensacionalismo, erro jornalístico, boato, sátira, entre outros.

Confira algumas das particularidades das fake news:

  •  Não vão ao encontro dos fatos, são comprovadamente falsas;
  •  Têm a intencionalidade de enganar, não são espalhadas “por acaso” como um boato;
  • São fabricadas com fins políticos ou financeiros;
  • Seja em texto ou vídeo, elas imitam o formato jornalístico para inspirar confiança;
  •  Existem padrões em sua forma, como o uso de caixa alta, frases e imagens chamativas e exageros que estimulam sentimentos como revolta e medo;
  •  Simulam autoridade evocando figuras tradicionalmente respeitadas como médicos e juízes (exemplo: “veja o que este juiz disse sobre os crimes de Dilma Rousseff!”);
  •  Se valem dos medos das pessoas (exemplo: “essa vereadora quer destruir a infância dos seus filhos!”).

Como as fake news atingem as mulheres?

Segundo informações apresentadas durante audiência pública da Comissão de Defesa da Mulher da Câmara dos Deputados, as mulheres são as principais vítimas da disseminação de conteúdo falso nas redes sociais.

Além do volume, o que também chama atenção é a diferença no teor das invenções. A indústria das fake news, sabendo do machismo que estrutura o jogo político brasileiro, não hesita em explorar a vida pessoal e os corpos femininos na hora de fabricar mentiras.

Para ilustrar, vamos usar aqui as fake news espalhadas contra a ex-deputada federal Manuela D’Ávila. Nas eleições municipais de 2020, a então candidata à prefeitura de Porto Alegre conseguiu no TRE do Rio Grande do Sul a derrubada de 500 mil compartilhamentos de notícias falsas a seu respeito. Já em outra ocasião, ela chegou a ser indenizada por políticos que replicaram estas fake news. 

Entre as mais compartilhadas, está uma montagem em que Manuela aparece com olheiras evidenciadas e o corpo coberto por tatuagens de líderes socialistas. Obviamente, não haveria problema algum se a política fosse de fato como na montagem, mas aquela imagem, por não corresponder a um ideal de comportamento feminino esperado, foi usada para desqualificá-la e espalhar mensagens de ódio.

Uma foto de Manuela com o pai também circulou pela internet, junto com a mentira de que a candidata se envolvia com homens mais velhos. E em uma montagem que simula um tweet, a fala “abortar é a única saída pra não criar filho de vagabundo” é atribuída a ela. Há ainda a famosa fake news de que a política teria comprado o enxoval de sua filha em Miami com dinheiro público.

É claro que fake news contra homens também são espalhadas. Porém, observando os exemplos acima e outros, de mulheres como Dilma Rousseff e Marielle Franco, vemos que as fake news contra mulheres são sexistas, misóginas e têm como alvo a aparência, o exercício da sexualidade, os relacionamentos amorosos e até mesmo o modo de criar os filhos.

E apesar de meio milhão de compartilhamentos terem sido excluídos após ordem judicial, incontáveis outros ainda perduram, com um alcance inestimável. Segundo estudo publicado pelo MIT, as notícias falsas se espalham até 70% mais rápido que as verdadeiras. E mais inestimável ainda é a influência que tantas mentiras têm na hora do voto, desfavorecendo candidatas mulheres, que precisam de muito pouco para serem descredibilizadas e preteridas.

Como podemos combater as fake news?

De acordo com Mariana Barbosa, autora do livro Pós-verdade e Fake News: Reflexões Sobre a Guerra de Narrativas, o fenômeno revela “uma inquietante perda de confiança em instituições que outrora eram portadoras da verdade”. Com isso, percebemos que recuperar a confiança nas instituições, como o STF e a imprensa profissional, é fundamental para que as fake news sejam freadas.

Atitudes das gigantes da tecnologia também são imprescindíveis nesta luta. Enquanto Google e Facebook não tomarem medidas eficazes quanto a identificação e exclusão do conteúdo falso, combater fake news será um trabalho exaustivo e parecido com enxugar gelo. A justiça pode até ordenar, de maneira correta e louvável, a exclusão de alguns milhares de compartilhamentos, mas milhões deles ainda são feitos diariamente.

E individualmente, algumas atitudes podem ser feitas, é claro: é importante checar as informações, buscar fontes confiáveis, avisar os amigos que acabam caindo nos “golpes”, denunciar publicações falsas às redes sociais, não votar em candidatos que replicam fake news, cobrar ações dos políticos eleitos…

Combater este problema é essencial para que os próximos processos eleitorais sejam justos e sadios. Uma das formas mais cruéis de prejudicar a democracia é prejudicar uma de suas bases: o processo eleitoral.

Afinal, como poderá o cidadão, em uma eleição, tomar uma boa decisão se suas convicções são baseadas em mentiras? E, do outro lado, como poderá a candidata ou o candidato alvo concorrer sem prejuízos? Fake news podem alterar completamente os rumos de uma disputa eleitoral – sendo as candidatas as maiores prejudicadas. Por isso, precisam ser combatidas com veemência.

 

Texto de Isabelli Neckel, 23 anos, jornalista e pós-graduada em Comunicação Política. Apaixonada por viagem, literatura e política.

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