É possível uma democracia sem partidos?

16/09/2020

É inegável que a rejeição aos partidos e aos políticos tem crescido entre os cidadãos brasileiros nos últimos anos. Os repetidos casos públicos de corrupção, a falta de representatividade e a ausência de serviços públicos eficientes contribuíram para este cenário. Desde 2013, conforme os dados do Latinobarômetro, o número de cidadãos que não confia nos partidos políticos vem aumentando. Se em 2013, 76% não confiava, em 2017 (últimos dados disponíveis) esta cifra alcança alarmantes 92%.

Mas o que são os partidos políticos?

São organizações formadas pela livre associação de pessoas, com uma ideologia em comum, cujas finalidades são assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e defender os direitos dos cidadãos que simpatizam com suas ideias. Agora que você já sabe o que são os partidos políticos, a pergunta que não quer calar:

É possível uma democracia sem partidos?

A forma como a democracia representativa é articulada, assim como as regras eleitorais brasileiras, obrigam as lideranças a participar do jogo democrático dentro de uma organização partidária.

Desse modo, os partidos são uma peça fundamental na democracia representativa e contribuir com a descrença neles pode mais prejudicar do que ajudar. Isso porque a democracia representativa foi construída por e para os partidos políticos. Não existe nenhuma democracia contemporânea que funcione sem partidos, embora alguns países permitam as candidaturas de independentes.

Ademais, estudos em ciência política demonstram que uma democracia de qualidade exige partidos robustos com uma estrutura organizativa interna democrática. Nestes, entendem-se por organizações partidárias fortes aquelas que se caracterizam pela sua coerência e coesão. A coerência faz referência ao grau de acordo entre os membros dos partidos em questões programáticas e ideológicas. Enquanto isso, a coesão faz referência ao grau de homogeneidade no comportamento dos seus membros, estando diretamente relacionada com a disciplina dos partidos nas votações, sendo objeto de disputa entre os movimentos suprapartidários, suas lideranças e os partidos.

Consequentemente, enfraquecer a robustez dos partidos prejudica a qualidade da democracia brasileira por incentivar a descrença cidadã nos partidos e deixar o sistema mais vulnerável a aparição de candidatos outsiders (não sabe muito bem o que é um outsider? Clique aqui para saber mais).

O problema dos partidos brasileiros

O Brasil possui atualmente 35 partidos políticos, que recebem dinheiro público e detém o monopólio institucional de candidaturas. O Ranking da Transparência Partidária demonstra que esses partidos divulgam pouquíssima informação de suas organizações internas, o que aumenta ainda mais a desconfiança sobre eles.

Ao mesmo tempo, os partidos brasileiros caracterizam-se por serem organizações fracas e caciquistas, que carecem de democracia interna. Em geral, os partidos políticos mantêm dinâmicas pouco democráticas e agem como freio às boas práticas. Não há democracia nos partidos, salvo poucas exceções. Os filiados não têm oportunidade de se manifestarem e participarem na maior parte das decisões partidárias, que são tomadas pela cúpula dirigente, e muitas vezes sem prestar contas a ninguém. Isto também contribui para o distanciamento entre os partidos e a sociedade, pois a uniformização em relação às estruturas decisórias partidárias torna-os cada vez mais parecidos uns com os outros.

Além disso, a grande maioria dos partidos brasileiros são compostos majoritariamente por homens brancos, o que não condiz com a formação da população brasileira. Como esperar que os cidadãos se vejam representados em organizações tão diferentes da realidade social?

Segundo estudo divulgado pelo Movimento Transparência Partidária, apenas dois partidos brasileiros têm maioria feminina na sua composição. No Partido da Mulher Brasileira (PMB), o percentual de filiadas não passa de 55%. No Partido Republicano Brasileiro (PRB), elas participam com 51%. A grande maioria dos partidos tem entre 40% e 46% de mulheres. Na lanterna, a Rede, com 63% de homens, e o Partido Novo, com 86% de homens”. A quantidade de mulheres em cargos de direção partidária também é baixa: fica, nacionalmente, na casa dos 20%.
Essa baixa representação interna, ainda mais gritante nos cargos de direção, dificulta a alocação igualitária de recursos necessários para uma campanha bem sucedida para mulheres, como aponta Marina Merlo.

Como resolver essa situação

A receita parece simples… embora exija algumas mudanças estruturais. Para a democracia brasileira se tornar melhor é preciso unir líderes bem preparados a partidos coesos e coerentes que exerçam a democracia interna. É fundamental que os líderes dos movimentos suprapartidários escolham participar do jogo democrático dentro daqueles que mais se aproximem das suas ideias e aceite as regras internas da própria organização. Concomitantemente, a sociedade e, especialmente, os militantes dos partidos, devem exigir das cúpulas partidárias a instauração da democracia interna.

Esta é a única forma de construir uma democracia de qualidade. Partidos e lideranças precisam tomar consciência desta questão e caminhar na mesma direção!

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