A divisão sexual do trabalho político na Câmara dos Deputados

22/07/2021

O fato de que mulheres enfrentam barreiras maiores à eleição do que homens é hoje bastante conhecido. Ao mesmo tempo em que alguns obstáculos podem ser considerados temporariamente superados após a eleição, papéis de gênero continuam a estruturar as relações dentro do campo político.

Estágios de evolução do patriarcado

A teórica feminista Sylvia Walby (1990) afirmou que o patriarcado possui estágios de evolução que se expressam de formas distintas. A princípio haveria o patriarcado privado, que consiste em excluir mulheres da esfera pública enquanto vivem sob o controle masculino na esfera doméstica. Com certas mudanças sociais, o patriarcado passaria a ter um caráter público, em que a estratégia de dominação passa a ser a segregação: mulheres são admitidas em espaços marcados pelo “domínio público”, mas em termos não-igualitários.

Ou seja, só conseguem realizar trabalhos específicos e caracterizados como inferiores aos trabalhos realizados por homens. Essa é uma característica fundamental da divisão sexual do trabalho político. Como a famosa divisão entre “alto e baixo clero” no Congresso Brasileiro nos indica, nem todo mandato eletivo é valorizado da mesma forma.

Carreiras políticas

Cientistas Políticos como Luis Felipe Miguel e Fernanda Feitosa (2009) e Danusa Marques e Bruno Teixeira (2018) realizaram estudos que mostram que parlamentares mulheres tendem a atuar com mais frequência em temas vinculados a assuntos sociais e de cuidado, direitos humanos e infância e adolescência. Paralelamente, elas possuem menos oportunidades de atuar em pautas como política tributária e segurança pública, consideradas mais centrais ao processo político.

Daniela Rezende (2015) observou também, em diversos países da América Latina, que em uma Comissão tão importante quanto a de Constituição, deputadas possuem chances menores de serem alocadas do que deputados, mesmo quando possuem maior experiência legislativa. Para carreiras políticas, a ascensão depende necessariamente da luta pelo poder por meio do acesso a recursos escassos.

A distribuição desigual de recursos frequentemente significa que membros de grupos subjugados são prejudicados pelas condições desiguais a que estão sujeitos. Assim, carreiras políticas tendem a refletir padrões gerais de profissionalização de mulheres na sociedade, cuja dinâmica é fortemente influenciada por questões de raça e classe.

A atuação feminina no Congresso

Analisando a 55ª Legislatura da Câmara dos Deputados (eleita em 2014), observei algumas das expressões da divisão sexual do trabalho político. Em posições como a Mesa Diretora, Presidência de Comissões e autoria de projetos deliberados em Plenário, o acesso é restrito em termos numéricos.

Nestes espaços, a trajetória das poucas mulheres presentes se aproximou mais da de seus colegas homens, em termos de experiência política prévia e de capital econômico (histórica e estatisticamente mais acessível às deputadas brancas). A legitimidade da sua ocupação destes espaços pareceu vir da sua capacidade de percorrer caminhos semelhantes aos de políticos homens.

Já nas posições de poder que possuem um maior número de participantes, como as Mesas de Comissões, Lideranças e relatorias de projetos em Plenário, foi possível observar de forma mais nítida a segregação de deputadas e deputados de acordo com temáticas. Ao mesmo tempo em que as deputadas ocuparam desproporcionalmente as Comissões Permanentes voltadas ao cuidado e ao social, em especial as parlamentares negras, elas ainda não ocupavam suas respectivas Mesas Diretoras.

A divisão sexual do trabalho político significa que, mesmo após os filtros sociais que dificultam a entrada de mulheres na política institucional, elas são insuladas em posições de baixo prestígio e as formas de capital político ao qual elas têm acesso são deslegitimadas.

Refletir sobre quem pode atuar politicamente e como a atuação se faz possível a grupos historicamente subrepresentados é, no seu cerne, refletir sobre o próprio funcionamento da democracia brasileira.

 

Texto de Luiza Aikawa. Mestranda no Instituto de Ciência Política da UnB, tem experiência com pesquisas sobre ativismo midiático digital, representação política e desigualdade de gênero. Durante parte do seu dia, atua como assessora parlamentar na Câmara Legislativa do Distrito Federal e tenta contribuir para uma cultura institucional mais democrática.

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Comentários (1)

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Maria Luiza Morais 24 de julho de 2021 Luiza, que texto necessário! Você tocou num assunto importante e atual que merece sim, mais reconhecimento e olhar sobre como e por quem o poder está sendo representado. Eu adorei!
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