O discurso de defesa dos Direitos das Mulheres nos Conflitos Internacionais

Helena Vitorino

voluntária da Elas

12/12/2023

“A luta contra o terrorismo também é uma luta pelos direitos das mulheres”. Em novembro de 2001, Laura Bush proferiu um discurso em apoio à invasão do Afeganistão, após os eventos de 11 de setembro. O alerta manifestava que o ataque aos grupos terroristas não beneficiava apenas os americanos, mas era indispensável para garantir a segurança, os direitos e a dignidade das mulheres afegãs. 

O início da guerra entre o Afeganistão e os Estados Unidos foi um clássico exemplo de como os direitos das mulheres são usados em situações de conflitos internacionais como ferramenta política, servindo ao discurso pela “democracia”.

A narrativa de “direitos, segurança e dignidade” para mulheres e crianças afegãs foi uma agenda política importante na campanha de Bush. Uma interpretação ingênua nos faria concluir que o “Ocidente Democrático” tem como missão defender os direitos das mulheres do fundamentalismo de regimes como o Talibã, que proibiu o ensino universitário e o trabalho para as mulheres, além de restringir a educação das meninas ao ensino primário. 

No entanto, é preciso compreender os inúmeros elementos políticos que definem o exato momento em que o discurso de “defesa dos direitos da mulher” se torna oportuno.

Direitos das Mulheres: Uma História Inacabada

Os direitos das mulheres são Direitos Humanos, e sua história é densa e variável. Não há como comparar o avanço dos direitos femininos nas diferentes partes do mundo, mas um padrão é similar em praticamente todas as culturas: toda a sorte de direitos foi inicialmente criada para atender aos homens. Às mulheres, foram necessárias lutas e movimentos que exigissem sua inclusão como seres humanos iguais em tais classes de direitos já existentes.

A criação da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) foi um dos maiores esforços globais para o estabelecimento de direitos humanos internacionais. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) em 1979 originou o primeiro e mais importante tratado internacional de direitos das mulheres, protegendo direitos políticos, sociais, econômicos e culturais das mulheres. 

A Suécia foi o primeiro país a assinar o tratado, e até hoje, o acordo é acedido e/ou ratificado por outros 189 Estados. Os únicos países membros que não aderiram ao tratado são Somália, Irã, Sudão, Tonga, Vaticano, Palau e Estados Unidos, sendo os dois últimos as únicas nações democráticas não aderentes ao tratado.

A imposição de uma Democracia que não inclui, mas usa as Mulheres

A palavra “democracia” ressoa, nas relações internacionais, como a melhor conclusão possível nas relações entre Estado e o povo; tudo aquilo que não é democrático é “opressor”, “ditatorial”. A Teoria da Paz Democrática floresceu a ideia de que “nações democráticas não iniciam guerras”, colocando a Democracia como o principal fator que promove a paz globalmente.

Os direitos das mulheres (e os direitos humanos) são comumente entendidos como rebentos da própria democracia, porque, em tese, apenas no regime democrático há abertura e condições para estabelecer direitos plurais. No entanto, o combo democracia + direitos das mulheres pode ser facilmente distorcido e politicamente usurpado com fins de dominação política. 

Há momentos em que é conveniente defender a dignidade das mulheres, e as nações se valem da “carta da democracia” para justificar ações que geram impacto na comunidade internacional, mas principalmente nas mulheres, vítimas de competições geopolíticas.

A instabilidade dos direitos da mulher pelo mundo

“Basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes.”. A frase de Simone de Beauvoir expressa como os direitos das mulheres, assim como a própria ideia social de mulher, são objetos no patriarcado, e não sujeitos. Enquanto objetos, tais direitos estão vulneravelmente imersos num cenário de instabilidade.

Um exemplo de remoção de direitos femininos foi a derrubada da lei Roe versus Wade, nos Estados Unidos. Em 1973, o país fez uma decisão pela descriminalização do aborto, mas em 2022, a Suprema Corte revogou a lei, permitindo aos estados adotarem sua própria interpretação da Constituição. O Mississippi e a Louisiana foram os primeiros a proibir o aborto, seguindo a anulação da Corte.

No Brasil, o Estatuto do Nascituro representa uma corrida religiosa pela remoção de direitos femininos. O código penal brasileiro considera o aborto em três circunstâncias: no caso de estupro; quando o desenvolvimento do feto oferece risco à vida da mãe; ou em caso de anencefalia. No entanto, o Estatuto do Nascituro pretende anular a possibilidade de aborto em qualquer circunstância prevista, tornar o aborto um crime hediondo e conceder proteção jurídica ao embrião não nascido.

A Itália vive hoje um dos momentos mais bizarros de extinção de direitos femininos da História: a decisão do governo de anular certidões de nascimento de filhos de casais homossexuais. Em Pádua, um procurador geral cassou as certidões de 33 crianças filhas de casais lésbicos. E a Itália não está só: o governo da Polônia removeu o direito ao aborto em caso de anencefalia, em 2020. 

O Direito das Mulheres é fruto dos Movimentos

A noção de Direitos das Mulheres foi defendida historicamente pelos movimentos de mulheres. Tanto regimes democráticos quanto autoritários observaram, em sua história, o romper de manifestações femininas que lutaram por Direitos. Somente pela existência desses movimentos o Direito da Mulher se consagrará enquanto sujeito, e não mais objeto passivo da sociedade. É papel de toda a comunidade internacional fortalecer o cenário político com as pautas dos movimentos feministas para que as mulheres do mundo tenham seus direitos e dignidade preservados, independentemente de quais interesses possam representar.

 

Mini Bio: Helena Vitorino tem 30 anos, é internacionalista e ativista dos direitos humanos internacionais. Voluntária do time de Comunicação da Elas no Poder como redatora, adora escrever, ler, viajar o mundo e assistir a novos filmes.

Bibliografia:

https://digitalcommons.pepperdine.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2100&context=etd

https://www.jstor.org/stable/23524156?read-now=1&seq=12#page_scan_tab_contents

https://www.washingtonpost.com/wp-srv/nation/specials/attacked/transcripts/laurabushtext_111701.html

https://thehill.com/blogs/blog-briefing-room/3785386-george-and-laura-bush-women-and-girls-enduring-terrible-hardship-under-taliban/

https://theintercept.com/2023/01/01/afghanistan-women-refugees/

https://www.newyorker.com/magazine/2021/09/13/the-other-afghan-women

https://www.cfr.org/backgrounder/taliban-afghanistan#:~:text=The%20Taliban%20returned%20to%20power,rights%20and%20neglected%20basic%20services.

https://theconversation.com/how-women-in-israel-and-palestine-are-pushing-for-peace-together-215783

https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos-direitos-das-mulheres/

https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos

https://www.politize.com.br/direitos-da-mulher-avancos-e-retrocessos/

https://www.nytimes.com/2019/12/04/us/domestic-violence-international.html

https://europeanacademyofreligionandsociety.com/weekly_comments/conservative-trends-in-europe-the-case-of-abortion-in-poland/?gad_source=1&gclid=CjwKCAiAu9yqBhBmEiwAHTx5p7DdBn75uTHFA2SN3MDJKOn-Qz25jPfk0MWKxyG5mGwUL3GN73wLhBoC0tUQAvD_BwE

 

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