De Tereza de Benguela a Erica Malunguinho, a luta continua no dia Nacional da Mulher Negra

24/07/2021

Há 29 anos era realizado, na República Dominicana, o I Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas. Entre os dias 19 e 25 de julho de 1992, mulheres negras de 32 países debateram como o racismo e o machismo interferiam diretamente na vida das mulheres negras da América Latina.

Ali se definiu o dia 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana  e Caribenha. No Brasil, a data foi sancionada como parte do calendário oficial de Estado em 2014, pela então presidenta Dilma Rousseff e nomeado como Dia Nacional Tereza de Benguela e da Mulher Negra. 

Em 2015, a Marcha de Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e o Bem Viver entrou para a história como a primeira e maior marcha protagonizada apenas por mulheres negras no Brasil. Mais de 30 mil mulheres ocuparam as ruas de Brasília em 18 de novembro daquele ano, pautando questões relativas a violência contra mulheres, a demarcação de terras quilombolas e o genocídio da população negra.

O processo de construção da marcha foi parte da reorganização dos movimentos de mulheres negras no país, inaugurando no conjunto do país a ocupação das ruas no dia 25 de julho por milhares de mulheres negras de todos os estados.

Mas quem foi Tereza de Benguela?

Apesar de sabermos pouco da vida de Tereza de Benguela, devido ao apagamento na historiografia nacional, é inegável a importância que ela tem enquanto representação negra e quilombola, além de um símbolo de luta, resistência e liderança. O que se sabe é que Tereza de Benguela viveu na década de XVIII no Vale do Guaporé, no Mato Grosso, e que liderou um dos maiores quilombos da região.

O Quilombo do Quariterê, também conhecido como Quilombo do Piolho, surgiu em 1740 e é considerado o maior do Mato Grosso. Ele foi chefiado por Tereza de Benguela e José Piolho até este vir a falecer. Durante duas décadas, sob a liderança de “Rainha Tereza”, a comunidade negra e indígena do quilombo resistiu à escravidão. Mesmo que tenhamos poucos registros históricos sobre o tempo de Tereza e o Quilombo do Quariterê, é sabido que o local abrigava pouco mais de 100 pessoas e que eles navegavam pelos rios do Pantanal.

Além de organizar a resistência do Quilombo do Quariterê contra a escravidão, “Rainha Tereza” também articulou uma espécie de parlamento que tomava as decisões sobre o que a comunidade faria e como se relacionava com o entorno.  O quilombo possuía estruturas próprias em aspectos políticos, econômicos e administrativos, tal qual sua defesa, e que tudo isto seguia sobre a liderança de Tereza de Benguela.

Não há registros de como Tereza de Benguela faleceu, há quem diga que após a queda do Quariterê em 1770 ela foi assassinada e teve sua cabeça exposta no meio do quilombo, mas nada que realmente confirme essa versão.

Se em 1740 Tereza de Benguela liderava um parlamento e governava o quilombo, em 2021 ainda estamos longe de mulheres negras ocupando espaços de poder na proporção que estão na sociedade brasileira (25%). 

A participação de mulheres negras em espaços de poder 

Nas Eleições de 2018, dos 1.679 cargos de poder em disputa, 1.030 foram ocupados por homens brancos (61,82%) e apenas 72 (4,29%) por mulheres pretas e pardas, e 1 por uma mulher indígena (0,06%). Nos dados do TSE, nenhuma pessoa trans ou travesti foi eleita, mas é nacionalmente conhecida a eleição de Erica Malunguinho na Assembleia Legislativa de São Paulo, o que já aponta que os dados precisam ser melhorados.   

Os 5 partidos que mais elegeram mulheres pretas e pardas nas Eleições Gerais são: PSOL, PT, PSB, PCdoB e PSL. Apenas 7 estados e o Distrito Federal elegeram mulheres pretas e pardas para o cargo de Deputada Federal, sendo estes: RJ (4), RO (2), AP (2), MS (1), MG (1), DF (1), BA (1), AC (1). Destes, nenhum apresentou mais de 25% de mulheres pretas e pardas como titulares em relação ao número de cadeiras.

Já nas Eleições de 2020, do total de 68.962 cargos disputados, 31.653 foram ocupados por homens brancos (45,89%) e apenas 4.179 (6%) foram ocupados por mulheres pretas e pardas e 31 (0,04%) por mulheres indígenas. De acordo com os dados do TSE, 3 eleitas declararam nome social, que é um indicativo de pessoas trans e travestis. Destas, apenas uma era mulher negra. Esses dados entram em conflito com o mapeamento da Associação Nacional de Transexuais e Travestis, que identificou 30 candidaturas trans/travesti eleitas em 2020, sendo de 17 brancas e 13 negras. 

Os 5 partidos que mais elegeram mulheres pretas e pardas nas Eleições Municipais são: MDB, PP, PSD, PT e DEM. Os 5 estados que mais elegeram mulheres pretas e pardas nos cargos municipais disputados foram: BA (393), MG (395), PI (271), MA (260) e CE (207).

Renovação política

A constância do PT sendo um partido que mais elegeu mulheres pretas e pardas tanto em 2018 quanto em 2020 não surpreende quando se lembra que uma das grandes referências históricas das mulheres negras na política é do partido, a deputada federal Benedita da Silva, que foi um nome fundamental para a garantia dos direitos da população negra na Constituinte de 1987. Mas se o PT se destaca pela tradição e quantidade de mulheres negras eleitas, o PSOL destaca-se pela renovação política com mulheres negras, principalmente com lideranças trans/travesti negras bem votadas como Erica Malunguinho,  Erika  Hilton, Robeyonce Lima e Bennny Briolly. 

Quando mulheres negras em Marcha em 2015 escreveram uma carta dizendo que “inspiradas em sua ancestralidade tinham um novo pacto civilizatório” para o Brasil, elas estavam falando do legado das matriarcas Candaces no Antigo Egito, das lideranças quilombolas de Aquatune e Tereza de Benguela, falavam de uma proposta de civilização do Bem Viver com uma outra dinâmica de vida e ação política, onde é necessário a superação do racismo, do sexismo, do classismo, da LGBTfobia e de todas as formas de discriminação.

O Brasil fala tanto de crise de representatividade e que precisa de renovação política, pois então, o que falta aos espaços de poder do Brasil é retirar os obstáculos para que aquelas que sempre sustentaram esse país se sentem na mesa de decisão e possam falar sem serem interrompidas. Pois enquanto alguns ainda estão no plano das ideias, as mulheres negras trazem o legado de planos experienciados de outro tipo de civilização.

 

Texto coletivo do Time de Pesquisa da Elas No Poder

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