Devem ser mulheres a representar mulheres?

24/06/2021

A sub-representação feminina na maioria das democracias contemporâneas é um dado incontestável. Nesse contexto, cresce cada vez mais a pressão de grupos feministas por políticas que garantam o aumento da participação de mulheres no Congresso Nacional. Em contrapartida, aumentam também as vozes contrárias, que por vezes argumentam que a representação não precisa ser feita por semelhantes, mas por indivíduos que representem os interesses dos grupos marginalizados. Para este lado, não importa quem representa, mas o que se representa. 

Assim, surge a pergunta: qual a real importância da inclusão política, na devida proporção de sua representação na sociedade, dos grupos marginalizados, falando aqui especificamente de mulheres?

A sub-representação feminina

Levantamento realizado em 2020 pela União Interparlamentar mostra que somente 4 dos 191 países analisados apresentam paridade de gênero nos assentos de parlamentos unicamerais ou casas baixas. O Brasil ocupa o 140º lugar desse ranking.  Em outro levantamento, também de 2020, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela ONU Mulheres, que mediu o Índice de Paridade Política (IPP) na América Latina, o Brasil se situa num vergonhoso antepenúltimo lugar.

No tema “Cotas e Paridade Política”, o país pontuou apenas 13,3 numa escala de 0 a 100. Apesar do crescimento expressivo nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados – um aumento de 50% em relação ao pleito anterior – as mulheres ainda ocupam apenas 15% dos assentos da Casa. No Senado federal, apenas 13%.

Diante dessa realidade, muitas democracias ao redor do mundo têm buscado promover políticas destinadas exclusivamente a aumentar a representação feminina na política. A mais disseminada delas é a adoção de quotas tanto sobre o número de candidaturas quanto sobre o número de vagas nos parlamentos. No Brasil, a primeira lei de abrangência nacional nesse sentido foi a Lei 9504/97.

A norma previa que 30% da lista de candidatos de cada partido deveria ser composta por mulheres. Desde então, algumas alterações foram feitas no sentido de dar mais efetividade à política.

Apesar do crescimento paulatino do número de mulheres que ocupam cadeiras no Congresso ao longo das últimas três décadas (em 1994 eram pouco mais de 6%, em 2018 esse número mais que dobrou, para 15%), o número de mulheres eleitas em relação à fatia da população que elas representam (51,8%) ainda é inexpressivo. As cotas têm se mostrado, portanto, insuficientes para a redução efetiva da desigualdade de gênero na representação política.

A importância da representação

As teorias da representação têm abordado a necessidade da inclusão, nas esferas decisórias, de grupos marginalizados para a efetivação da democracia. Esses teóricos defendem que não basta que os interesses dos grupos marginalizados estejam representados, e é necessária a presença efetiva desses grupos. Assim, eles defendem que quanto mais grupos estiverem presentes nas esferas de poder, proporcionalmente à sua representação da sociedade, mais consolidada será a democracia.   

A importância de um ambiente plural incide não somente sobre a elaboração da pauta, mas também sobre a qualidade da discussão e das decisões tomadas. A presença maior de grupos marginalizados enriquece as discussões, uma vez que mais pontos de vista serão considerados.

De mulheres, para mulheres

Luis Felipe Miguel aponta que o acesso de mulheres aos espaços públicos deliberativos é importante “não porque compartilhem das mesmas opiniões ou interesses, mas porque partem de uma mesma perspectiva social, vinculada a certos padrões de experiência de vida. A palavra é relevante: trata-se de um ponto de partida, não de chegada”.

Assim, como aborda Anne Phillips, defender uma maior inclusão de mulheres em espaços de poder não significa abandonar a ideia de representação de interesses, os tipos não são excludentes. O que se deve almejar é a composição de ambas.

Sobre a representação feminina, Céli Regina Jardim Pinto faz uma pergunta instigante: “Se homens de todos os matizes ideológicos, de todas as posições sobre os mais diversos temas podem ter assento no Legislativo, por que só as “mulheres conscientes” mereceriam esse privilégio?”

Mulheres, assim como os demais grupos marginalizados, não formam um corpo uníssono, mas um grupo complexo com diferentes interesses, opiniões e ideias que devem ser levados em consideração para uma representação efetiva. Dessa forma, é necessária não apenas a inclusão de mulheres de um certo campo ideológico, mas uma maior representação que reflita melhor a realidade das mulheres na sociedade. 

Mulheres devem representar mulheres pois compartilham entre si compreensões diferenciadas sobre os desafios que o gênero impõe.  É essencial que essa perspectiva esteja presente nos espaços decisórios para que as decisões ali tomadas sejam mais justas. A maior inclusão de mulheres na política se mostra necessária não só para a redução da desigualdade de gênero, mas para a efetivação da democracia como um todo.

 

Texto de Priscilla Gurgel. Advogada, atua há mais de dez anos na Câmara dos Deputados com assessoria legislativa e regimental.

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