voluntária da Elas
20/07/2023
As experiências e perspectivas de mulheres trans e travestis têm contribuído de forma significativa para uma mudança no cenário político do Brasil.
Segundo pesquisa realizada em 2021 pela UNESP (Universidade Estadual Paulista), há cerca de 4 milhões de pessoas transgêneras e não-binárias no Brasil, o que totaliza uma média de 1,9% da população do país.
Neste sentido, a representatividade política mostra-se essencial nas esferas de poder, além de consistir em um importante instrumento de transformação social num contexto de forte preconceito ao qual estamos submetidos.
“É necessário ‘travestilizar’ a política”, afirma Keila Simpson, mulher negra trans e presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Inclusive, “isso significa que precisamos transgredir de tal forma a expulsar o patriarcado, a política de naftalina e o corporativismo”, pontua a ativista.
Kátia foi a primeira mulher travesti eleita para um cargo político no Brasil e na América Latina. Ela fez história no sertão brasileiro e abriu caminhos para muitas conquistas na sociedade.
Proibida de frequentar a escola pelo pai, saiu de casa aos 18 anos e teve destaque como líder comunitária. Em 1992, tornou-se a vereadora mais votada no município de Colônia do Piauí e, 10 anos depois (2002), também vice-prefeita. A piauiense carrega o real significado da democracia representativa.
Em 1995, em uma entrevista para Jô Soares, a política, que dedicou sua vida à luta de uma sociedade sem discriminações, afirmou: “Apanhei sim, mas não dava jeito. Não era porque eu quisesse, Jô, entende?”
Hoje, aos 74 anos, ela segue inspirando gerações com seu legado. No ano passado, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) lançou uma escola de formação política que recebeu o nome de “Escola de Formação Política Kátia Tapety”.
Saiba mais sobre a história de Kátia Tapety aqui.
O objetivo da escola de Kátia é formar mulheres negras e indígenas para a disputa do pleito, independente de partido político, priorizando o protagonismo de mulheres trans, lésbicas, bissexuais e travestis. Erika Hilton é uma dessas mulheres.
Erika em uma família evangélica de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo. Foi criada pela mãe e pela avó, e obrigada a frequentar a igreja para que tentassem “curá-la”.
Aos 15 anos de idade, expulsa de casa, passou um tempo em situação de rua, onde encontrou na prostituição a única fonte de sobrevivência. Seis anos depois, voltou a morar com a mãe, que a ajudou a retomar os estudos e, assim, formar-se no ensino médio.
Hilton graduou-se no curso de pedagogia, tendo feito parte do movimento estudantil durante seu período universitário, contato que a colocou no caminho da política. Em 2020, foi eleita vereadora no município de São Paulo e, no ano passado, deputada federal, com 256.903 votos, sendo a 9ª candidata mais votada do estado.
“Ser a primeira mulher trans a ocupar esse lugar também exemplifica porque o Brasil é o primeiro país do mundo que mais mata mulheres trans e travesti, porque a população LGBTQI+ é tratada como menos gente, como menos humana na cidade de São Paulo”, desabafou Érika.
A deputada federal sofre constantes e violentos ataques e ameaças. Em 2021, ainda como vereadora, a parlamentar foi perseguida dentro da Câmara Municipal de São Paulo por um homem mascarado que portava símbolos religiosos, além de agressões transfóbicas e racistas na internet, chegando a acionar diversas vezes a Justiça.
Na contramão de tantas dificuldades, Erika segue sendo resistência e foi eleita uma das “100 mulheres mais inspiradoras e influentes do mundo em 2022” pela BBC. Foi também destaque do “Next Generation Leaders”, da Revista Time, e foi reconhecida pela ONU como uma das pessoas negras mais influentes do planeta.
Enquanto vereadora, teve iniciativas pioneiras, como a CPI da Transfobia e o Observatório da Fome de São Paulo, fundamentais para jogar luz em assuntos historicamente esquecidos pelo poder público.
Apesar do aumento da participação política de mulheres trans e travestis e sua ocupação nesses cargos, a transfobia e a violência política persistem em relação a deputadas, vereadoras, demais lideranças dos movimentos sociais e ativistas políticas.
É fundamental que essas pessoas eleitas – bem como as futuras – sejam reconhecidas e respeitadas em sua identidade. Inúmeras vezes, o foco do debate recai mais sobre sua identidade do que sobre sua atuação parlamentar.
“Tomam conta dos corpos trans, quando, na verdade, os corpos trans não estão ali para serem tomados conta. Os corpos têm que ser avaliados no âmbito do parlamento. Essa pessoa está ali atuando como parlamentar, cuidando dos afazeres da cidade, mas isso não é levado em consideração, o que está ali em xeque é a sua condição”, desabafa a presidenta da ANTRA.
Leia mais sobre dados da transfobia nas eleições de 2022 aqui.
A transformação é lenta, mas ocorre por meio das esferas de poder.
Somos seres políticos. Nossos posicionamentos, votos, ações e falas projetam a sociedade política. Precisamos de agentes que representem a população e que acima de tudo encontrem no diálogo, na luta e no ativismo, um novo projeto para o Brasil.
Os movimentos sociais de inclusão precisam de mais ascensão e de colaboração para que possamos alcançar a tão sonhada democracia participativa.
Kaátia abriu espaço e Erika se empoderou: elas não se calam mais e transformam a política como muitas outras.
Vamos lutar pelo bom combate. Vamos pluralizar a política brasileira.
Texto de Ana Patrícia Neiva, nordestina, advogada e pesquisadora de história das mulheres negras. Apaixonada por política, pelo Corinthians e pelo mar!
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