19/06/2021
A comédia constitui afeto político e artístico e mobiliza potências de criação e resistência. O humor e o riso facilitam, adoçam, umidificam a nossa travessia de períodos atuais tão amargos e quase intragáveis.
Muitos dos textos aqui no blog envolvem afetos políticos. A partir da realidade brasileira pandêmica diante e em torno de nós, já falamos brevemente sobre covardia, luto, ódio, medo… Mortes diárias e tempos sombrios ocupam muito de nossa rotina e nosso olhar hoje. Mas já existe vacina para o Covid-19 (esperemos que elas cheguem para todes o mais rápido possível) e ainda há empatia no Brasil. Existem centelhas de luz nesse tempo caótico, dentre elas, temos a comédia.
Ela é essencial como “afeto” e move vários outros fundamentais, como a empatia e a amorosidade. Isto porque a criação humorística interfere na nossa percepção da realidade, não nos alienando dos fatos, mas sim garantindo que exercitemos e pensemos a nossa subjetividade de forma compartilhada, e que criemos, a partir disso, novas configurações de coexistência, de vida.
A comédia é, assim, afeto artístico (mobilizando uma potência de criação) e afeto político (mobilizando uma potência de resistência). A associação dessas potências nos direciona melhor para a perseverança da vida. E nesse sentido, pensando também que estamos no mês do Orgulho LGBTQIA+, cabe muito mencionar a comunidade LGBTQIA+ como o símbolo tão forte e belo que é e representa.
Aqui, vale citar o artista Paulo Gustavo, que propiciou, com a identificação do público a seus personagens (principalmente com a Dona Hermínia, protagonista de sua peça e filme Minha Mãe É Uma Peça), sua histórica de carreira e sua personalidade, uma maior “possibilidade [na nossa sociedade] de se olhar de forma mais compassiva, amorosa e acolhedora à questão da homossexualidade, por exemplo”. Ele nos lembra que rir é manifesto e manifestação de cura, criação e resistência.
Na esteira do seu legado ao gênero humorístico, à comunidade LGBTQIA+ e à cultura brasileira, outros tantos humoristas/comediantes nos têm feito rir das nossas próprias angústias e problemas. Também há outros vários exemplos de instagrammers como @gabopantaleao, @bee40tona, @orathiago, @todasapataja e o mineiro @essemenino, de 25 anos.
Em vídeo viralizado na semana passada, Esse Menino ironiza com humor o ato do governo Bolsonaro de ignorar 57 e-mails da Pfizer sobre a oferta de vacina contra Covid-19. Em entrevista ao Splash Uol, diz que “O humor é muito hétero no Brasil e tem um lugar muito forte de opressão. Eu gosto de pegar o que poderia ser usado contra mim e usar a meu favor, como arma. Acho libertador”.
Como Celso Furtado indicava, quando escreveu sobre criatividade e dependência (no caso desta, das nações-estado consideradas “menos desenvolvidas”), a situação que subordina, em condições desfavoráveis e injustas, um agente político a outro não se resolve pelo isolamento daquele primeiro. O Brasil não se desenvolve se busca simplesmente se opor ao cenário internacional ou sair completamente dele, por exemplo.
Da mesma forma, a negação da realidade não a resolve, não transforma qualquer problema; de hoje em diante, em vez de falaciosamente tentar contornar nossas vidas, atravessá-las. Com a comédia temos mais disponibilidade, mais humor para suportar as adversidades do mundo. Com ela, abrimos nosso corpo para as forças de alteridade: existimos porque interagimos e somos interdependentes uns dos outros. Como brilhantemente nos mostra a comunidade LGBTQIA+ ao instrumentalizar suas forças artística e política, com a comédia nos curamos, criamos, resistimos. Perseveramos.
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