voluntária da Elas
26/07/2023
Dia 27 de julho seria o aniversário da saudosa Marielle Franco. A pergunta que ainda paira sobre o país e o mundo todo é: “Quem matou Marielle Franco?”
Essa questão estampou os maiores portais de notícias nos últimos anos, desde sites nacionais até o The New York Times, que replicaram a manchete que se tornaria um grito de guerra nacional.
Diversas mulheres uniram-se em uma potência inesgotável de força em busca de justiça que, cinco anos depois, ainda não aconteceu.
Ao entrar no site do Instituto Marielle Franco, uma frase chama a atenção: “Quem mandou matar Marielle mal podia imaginar que ela era semente, e que milhões de Marielles em todo o mundo se levantariam no dia seguinte.”
Uma dessas pessoas foi a sua irmã Anielle Franco, homenageada neste ano pela revista Time em sua lista de Mulheres do Ano de 2023, junto com outros 12 nomes do mundo todo que, de acordo com a revista, tiveram um impacto significativo em suas respectivas comunidades e áreas, desde ativismo e governo até esportes e artes.
A jornalista, professora, educadora, feminista preta, mãe, diretora do Instituto Marielle Franco, irmã de Marielle e, é claro, “Cria da Maré”, é a definição de quem hoje ocupa um dos ministérios mais importantes e representativos do Governo Lula, o da Igualdade Racial. Atuar na área racial não é uma pauta estranha para ela. Bem ao contrário.
Anielle tornou-se um nome de referência na luta pelos direitos das mulheres negras e periféricas, principalmente após assumir a diretoria do Instituto Marielle Franco, criado logo após o assassinato da irmã, em busca de luta por justiça, defesa da memória e do legado da vereadora que batiza o nome do Instituto e foi assassinada junto com o motorista Anderson Gomes no dia 14 de março de 2018, em um dos maiores crimes políticos da história brasileira, que até hoje segue sem resolução. Anielle faz questão de que o legado de sua irmã esteja presente em seu novo cargo, como firmado em seu Twitter ao aceitar integrar a equipe de transição do governo Lula:
“Importante ressaltar que não adentro a equipe de transição sozinha, chego com o legado de Marielle e com a trajetória das mulheres negras. Isso mostra que somos muito maiores que qualquer discurso de ódio, desinformação e violências. Também é importante que nós, mulheres e pessoas negras, estejamos em todos os espaços de decisão de forma transversal. Somos qualificadas para estarmos em todos os ministérios e secretarias. […]”.
Em 11 de janeiro de 2023, ao tomar posse no Ministério da Igualdade Racial (MIR) em uma cerimônia representativa e tomada pelo poder feminino (no mesmo evento, tomou posse a líder indígena Sonia Guajajara, que assumiu o Ministério dos Povos Indígenas), Anielle iniciou seu discurso agradecendo à irmã, em nome de quem aceitou o desafio, e frisou:
“Durante o dia 14 de março de 2018, dia em que tiraram Marielle da minha família e da sociedade brasileira, tenho dedicado cada minuto da minha vida a lutar por justiça, defender a memória, multiplicar o legado e regar as sementes da minha irmã. Nesse caminho, fundamos o Instituto Marielle Franco, organização que se tornou referência no combate à violência política de gênero e raça e na defesa de direitos de mulheres negras, pessoas LGBTQIAP+ e periféricas.”
Embora a sua luta política pública tenha surgido após ver a vida da sua irmã ser ceifada, Anielle logo se destacou naquilo que se propôs a fazer, transformando a dor em ação e indo de fato, do luto à luta.
Nascida no Complexo da Maré, conjunto de comunidades na zona norte do Rio de Janeiro, mãe de duas meninas e filha de uma família de mulheres negras, Anielle começou a jogar vôlei ainda criança e acabou se tornando jogadora profissional, passando por times de renome no mundo do esporte.
Aos 16 anos, ganhou uma bolsa esportiva para estudar nos Estados Unidos, onde viveu por doze anos e passou por diversas escolas americanas, como a Navarro College, a Louisiana Tech University, a North Carolina Central University e a Florida A&M University – sendo essas duas últimas instituições historicamente negras.
Desde o início, foi influenciada a pensar de maneira antirracista e a se entender mais e melhor como mulher negra. Lá, ela conheceu o trabalho de pensadores como Angela Davis, Martin Luther King e Malcolm X. Durante o período em que viveu em território americano, trabalhou num centro de migração, vendo com seus próprios olhos como funciona o sistema penal.
Anielle Franco é bacharel em Jornalismo e Inglês pela Universidade Central de Carolina do Norte e bacharel-licenciada em Inglês/Literaturas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É também mestre em relações étnico-raciais pelo CEFET/RJ.
Em 2019, publicou seu primeiro livro chamado “Cartas para Marielle” e tem participação importante em muitos outros livros, como a autobiografia de Angela Davis. No fim de 2022, mais um livro seu foi publicado, intitulado “Minha irmã e eu”.
Anielle sempre evidenciou que as trocas com a irmã, seja à distância por cartas ou e-mails, seja nos almoços de família, foram essenciais para aprender sobre o desafio gritante que é lutar pelos direitos humanos no Brasil, sobretudo para a população negra, que é maioria numérica, mas minoria em direitos garantidos, e sofre diariamente com o desrespeito a esses.
Durante um discurso na Unicamp, em Campinas (SP), no dia 5 de maio de 2022, o então ex-presidente e candidato às eleições Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, se fosse eleito novamente para o Planalto, criaria o Ministério da Igualdade Racial.
Com a resposta positiva nas urnas, a promessa foi cumprida e o MIR foi criado com o objetivo de promover políticas públicas para combater a discriminação racial e promover a igualdade de oportunidades para as pessoas negras. Antes, a pauta da igualdade racial era vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, e a sua criação foi um avanço na luta antirracista.
Como ministra, Anielle tem como objetivo promover políticas e ações efetivas para combater a discriminação racial e garantir a igualdade de direitos e oportunidades para as pessoas negras. Desde o seu ingresso no cargo, enfatizou a importância de combater a violência contra as mulheres negras e de fortalecer a presença de negros em cargos de liderança e de decisão no país.
Além de ser o primeiro nome a presidir o recém-criado ministério, Anielle mostrou ser um nome de resistência desde o primeiro dia. Seu empossamento precisou ser adiado para o dia 11 de janeiro em função dos ataques às sedes dos três poderes no dia 8 de janeiro. A tomada de posse estava inicialmente marcada para o dia seguinte, na segunda-feira, dia 9.
“[…] Pisamos aqui em sinal de resistência a toda e qualquer tentativa de atacar as instituições e a nossa democracia. O fascismo, assim como o racismo, é um mal a ser combatido em nossa sociedade”, disse na cerimônia de tomada de posse na semana seguinte à invasão ao Planalto e demais prédios da Esplanada.
Em uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), a ministra do MIR defendeu ações transversais e parcerias entre os governos federal, estaduais e municipais para enfrentar o racismo e acabar com o preconceito e a discriminação, promovendo a igualdade racial.
Ela ressaltou a necessidade da criação do órgão ministerial, citando que 56% dos brasileiros se declaram pretos ou pardos e representam: 77,6% das vítimas de homicídio doloso; 67,6% das vítimas de latrocínio; 84,1% dos mortos pela polícia; e 67,7% dos policiais assassinados.
Além disso, destacou que das 33 milhões de pessoas que passam fome no Brasil, 70% são negras. Entre as ações priorizadas pelo ministério, destacam-se as relacionadas à educação, às populações quilombolas e ciganas, à regularização fundiária e à comunicação. A busca pelo bem coletivo passa pelo fortalecimento de pessoas negras que, historicamente, são desumanizadas.
Em maio deste ano, o MIR tomou providências em menos de 24 horas, nas mais diversas frentes, para tratar dos casos de racismo envolvendo o jogador brasileiro Vini Jr. A ministra declarou estar pessoalmente tocada com a agressividade do caso, principalmente por seu histórico de mulher negra e ex-atleta.
Dentre aquelas ações, Anielle entrou em contato com as autoridades espanholas, acionando inclusive o Ministério Público espanhol para cobrar medidas concretas e saber qual seria o próximo passo das investigações sobre o caso.
Além de notificar o campeonato espanhol, conhecido como La Liga, o MIR assinou um posicionamento de repúdio do governo brasileiro, em consonância com a reação imediata do Presidente da República e em parceria com outros ministérios, como o dos Esportes, Direitos Humanos e Cidadania e o Itamaraty, além de uma nota conjunta declarando solidariedade incondicional com o Ministério da Igualdade da Espanha.
O documento cita medidas anunciadas pelos governos dos dois países para enfrentar o tema:
Nesse episódio, a ação se mostrou rápida, visando agir concretamente para dar encaminhamento de resposta à agressão que ocorreu na partida, e, posteriormente, consolidar mecanismos de prevenção e responsabilização em todas as esferas, em relação às torcidas, à arbitragem, aos times e aos organizadores do campeonato, sendo uma das pautas prioritárias.
No mês de julho, a agenda de Anielle Franco não para, e, um dos exemplos é a sua recente viagem a trabalho, em um esforço inédito para impulsionar a participação e reconhecimento das mulheres cientistas negras, indígenas, quilombolas e ciganas.
A ministra lançou no último dia 20 em Belém, no Pará, o programa “Atlânticas – Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência”, o qual visa fortalecer as trajetórias acadêmicas e científicas dessas mulheres que enfrentam obstáculos e barreiras em função da cor em suas carreiras.
Serão investidos R$ 8 milhões em bolsas de doutorado-sanduíche (termo usado quando a aluna, matriculada em universidade brasileira, consegue permissão para estudar parte do seu doutorado em uma instituição estrangeira) e pós-doutorado no exterior. Além disso, o programa auxiliará na obtenção de passaporte e vistos. A ideia é que, por meio da Atlânticas, ocorra a viabilização da ciência e a redução da desigualdade de gênero e étnico-racial na área científica.
O edital será lançado até o final do ano, e a expectativa é de que sejam ofertadas, em média, 45 bolsas.
Karoline Fernanda Marques é brasiliense, apaixonada pela capital federal; escritora integrante da Associação Nacional de Escritores – ANE; voluntária do UNICEF Brasil; da equipe de comunicação da Elas no Poder, onde atua como coordenadora da equipe do Twitter; graduanda em Direito em Lisboa, Portugal e é claro, mãe de gato. Escreve romances representativos, textos sobre política, artigos jurídicos e, nas horas vagas, cartas à mão.
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