voluntária da Elas
13/03/2023
Você já deve ter se deparado com alguma propaganda, no meio do seu feed, de algum produto que havia buscado recentemente, ou de alguma loja que havia entrado no site, ou até mesmo comentado com alguém.
Isso acontece porque as campanhas de marketing têm acesso aos nossos dados e os utilizam para direcionar publicidades, através de algoritmos especializados.
Os algoritmos estão no centro da discussão sobre as transformações da sociedade no século XXI.
Eles possuem a capacidade de mensurar o comportamento humano a partir do acesso aos dados pessoais, para incentivar um determinado comportamento.
Estes dados, que alimentam o saber algorítmico, podem ser coletados das mais diversas formas, através da fala, escrita, acesso a determinados sites, compra de determinados produtos, etc.
Dessa forma, algoritmos podem ser entendidos enquanto sistemas de conhecimento.
Além disso, outro ponto deve ser destacado na reflexão sobre os impactos dos algoritmos na vida social: o fato de que algoritmos não são neutros.
Na realidade, são produtos do fazer humano, e como tal possuem dimensões políticas, sociais e estéticas, sendo fruto de decisões.
Toda estrutura de conhecimento altera nossa relação com o mundo.
Ao ranquear e classificar, os algoritmos transformam o mundo de maneira ativa.
Mas, além de nos mostrar inúmeros anúncios de algo que havíamos procurado previamente, os algoritmos podem ser utilizados para outros fins, sobretudo aqueles destinados à vigilância, que podem ser utilizados até mesmo para perseguir ou coibir a atuação de ativistas e movimentos sociais.
Assim como os algoritmos são um tema central em nossas vidas contemporâneas, a segurança, e consequentemente a vigilância, também são.
O tema da vigilância e da segurança alimentada a partir dos algoritmos tem engajado parte da academia e da sociedade civil em reflexões sobre as limitações deste tipo de empreendimento.
O uso do reconhecimento facial, de armas autônomas, de sistemas de monitoramento e da polícia preditiva são exemplos de como a segurança pode ser gestada a partir de algoritmos.
É cada vez mais frequente o uso de softwares que usam dados estatísticos e banco de dados por parte de forças policiais.
Apesar das críticas provenientes de parte da academia de movimentos sociais, sobre os riscos que o uso massivo de algoritmos coloca a vida social, é fato que já vivemos em uma sociedade marcada por eles.
Longe de ser uma preocupação de fanáticos por ficção científica, os impactos da vigilância algorítmica já podem ser sentidos.
A vigilância algorítmica, através do reconhecimento fácil, tem sido utilizada por polícias e governos interessados em mapear possíveis lideranças de movimentos sociais e de resistência.
Isso implica que estes atores precisam desenvolver novas estratégias de luta.
Por mais que a presença de algoritmos pareça cada vez mais incontornável em nossas vidas, inclusive os algoritmos de vigilância, e isso implique em uma nova forma de poder e consequentemente de dominação, a dominação nunca é total.
Toda forma de dominação carrega em si mesma a brecha para seu processo de resistência.
A resistência é um fenômeno dinâmico, que ocorre em diversos níveis e de diversas formas.
Dessa maneira, a expansão da internet possibilita uma nova arena de resistência, seja através da divulgação das ações, realizando levantamento de hashtags, movimento hacker, etc.
Ademais, a internet também permite a circulação de notícias sobre estratégias tomadas na esfera offline.
Nesse sentido, durante a segunda metade do ano de 2022, circulou nas redes sociais, como as mulheres iranianas inventaram uma maneira criativa de impossibilitar sua identificação nos transportes públicos.
Mas, antes é preciso retomar um pouco a história política do país.
Após a chamada revolução iraniana de 1979, as mulheres passaram a ser obrigadas a cobrir seus cabelos com o hijab e usar roupas largas que cubram o formato de seus corpos, dentro do país.
O não comprimento desta norma implica em repreensões públicas, multas e prisão.
Desde então, a lei tem sido questionada e recentemente vemos uma intensificação dos movimentos de ativistas que questionam não só esta lei, como o regime político de maneira geral.
Essa nova onda de protestos, que têm sido lida como a maior já vista no local, começou depois que Mahsa Amini, uma jovem curda iraniana de 22 anos, morreu nas mãos da polícia moral por violar o código de vestimenta da República Islâmica.
Ela havia sido detida pela polícia no dia 13 de setembro de 2022 por não usar o hijab.
Após sua prisão, a jovem foi internada em estado de coma e acabou não resistindo, falecendo três dias depois.
A polícia afirma que a internação da mesma se deu por causas naturais, um ataque cardíaco, enquanto a família alega que Amini foi vítima de extrema violência.
Segundo o pronunciamento da polícia, ela havia sido detida para que fosse “convencida e educada”.
Após sua morte, ativistas começaram a denunciar como a abordagem policial em muitos casos tem sido violenta contra as mulheres.
O irmão de Amini, Kiararash, disse em entrevista que quando foi visitar sua irmã na prisão encontrou dezenas de outras mulheres também detidas.
Em 26 de outubro de 2022 mais um atentado foi registrado.
A polícia iraniana atirou contra manifestantes no memorial feito para a Amini, matando 13 pessoas, em Saqez.
Segundo ativistas, a família da Amini já havia sido informada para não realizar cerimônia, ameaçando prender o filho do casal, caso protestos ocorressem.
Quando mulheres presentes começaram a cantar “mulher, vida, liberdade”, (canção que se tornou símbolo dos protestos), estima-se que agentes iranianos dispararam contra 10 mil manifestantes acertando dezenas.
Desde então, os atos se espalharam para outras partes do país, assim como a forte repressão.
São diversos os casos de vítimas fatais relatadas.
Até o dia 06 de outubro do mesmo ano, foram identificadas 154 mortes, segundo a organização de direitos humanos do Irã, além de centenas de detenções.
Além dos protestos nas ruas, as manifestações em repúdio à existência da prática da detenção moral, perpetuada pelas patrulhas de orientação, estão sendo feitas de maneira pungente nas redes sociais.
É possível encontrar vídeos de denúncia onde as mulheres são detidas e levadas à força, imagens das mulheres tirando seus véus e cortando seus cabelos, que foram repercutidos em todo o mundo.
A #hairforfreedon também foi fundamental para chamar a atenção da opinião pública.
A importância da circulação online da situação iraniana foi tanta que o governo determinou um bloqueio da internet.
A conexão foi limitada e redes sociais como Whatsapp e Instagram foram cortadas.
O regime disse que o objetivo era controlar as chamadas ações contrarrevolucionárias que põem em risco a segurança nacional.
Mas, você pode estar se perguntando – o que isso tem a ver com a vigilância algorítmica?
Acontece que uma forma de atuação da polícia moral é a utilização das câmeras de segurança em transportes públicos para realizar o reconhecimento facial dos manifestantes.
Diante disso, mulheres adotaram a prática de tampar essas câmeras com absorventes descartáveis.
Tal estratégia começou a ser utilizada depois que policiais atiraram em mulheres que não usavam o hijab dentro de uma estação de metrô.
A ação também é importante pelo peso simbólico do absorvente.
A menstruação ainda é considerada um tabu em diversas regiões do mundo e no Irã não é diferente.
A reportagem do site The Sisat Daily repercutiu um tweet onde uma mulher afirma que “mantive meu ciclo menstrual escondido de todos por meses porque era um tabu no #Iran falar sobre isso. Imagine comprar absorventes! Temos que colocá-lo em um saco plástico preto. É emocionante ver mulheres agora usando seus absorventes para cobrir as câmeras de segurança do regime.”
Além disso, ao lado de algumas das câmeras de segurança cobertas, estão escritos os nomes de dissidentes políticos iranianos que foram presos ou mortos durante as manifestações.
A estratégia utilizada pelas mulheres iranianas é potente e aponta para a necessidade de se criar novas técnicas e repertórios de atuação no contexto atual.
Os protestos mais do que a liberação do véu, querem o fim do regime e o estabelecimento de uma ordem democrática no país.
Por Gabrielle Marques. Gabriela é do time de Pesquisa da #Elasnopoder, doutoranda em Ciência Política (UFMG) e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Margem.
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