Mulheres na literatura: a escrita é uma disputa política

05/09/2021

Como em toda arte, a literatura nos coloca em travessias de autoconhecimento, alteridade, questionamento e imaginação, uma chave para a construção e interpretação da vida.

Devido à colonização dos saberes, a produção literária brasileira estruturou-se sob narrativas hegemônicas brancas, masculinas e cristãs. Dessa forma, obras críticas às opressões interseccionais de gênero, classe, raça, sexualidade e espiritualidade foram marginalizadas por reivindicar histórias silenciadas.

Os caminhos narrativos passaram a ser abertos com força e, para as mulheres, a escrita e a leitura transformaram-se em ato político emancipatório e direito a ser exigido. Ainda que, inicialmente, tenha se atribuído uma suposta universalidade da vivência das mulheres brancas e de classe média a despeito das demais discriminações sofridas por outros grupos que não usufruiam dos mesmos privilégios.

Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus, Leodegária de Jesus, Clarice Lispector, Cora Coralina, Cecília Meireles, Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles. São exemplos de mulheres que inspiraram gerações pela capacidade de criar realidades possíveis para além de uma sociedade avessa à liberdade de suas vozes, dos seus direitos limitados e da ausência de políticas que incentivassem a sua inserção no mercado.

Atos políticos

Jurema Werneck, escritora negra, eternizou em uma frase a luta histórica pela afirmação das mulheres negras no mundo: “Nossos passos vêm de longe”. Escritoras contemporâneas como Conceição Evaristo, Ana Maria Gonçalves, Márcia Wayna Kambeba e Eliane Potiguara, chegaram até aqui graças àquelas que abriram os seus caminhos, ações que atravessaram o tempo. A leitura e a escrita, portanto, são disputas, atos políticos por excelência. 

No Brasil, marcado pelas diversas formas de desigualdade, surgem cada vez mais grupos voltados à leitura e à discussão de obras produzidas por mulheres, ainda sujeitas a um mercado editorial pouco inclusivo.

A iniciativa “Leia Mulheres” é um desses exemplos e está presente em diversos estados, promovendo reuniões mensais. Outra iniciativa “Mulheres que Escrevem” promove oficinas de escrita criativa e contribui para a profissionalização e publicação de escritoras.

Projetos como esses incentivam a leitura e não se sustentam sem políticas públicas democráticas que atuem na promoção da educação básica/superior, acessibilidade e proteção do livro.

Direitos

Em 2020, a campanha #defendaolivro mobilizou leitores e editoras contra a tributação sobre os livros proposta na reforma tributária de Paulo Guedes, ministro da Economia. Esse engajamento ilustra a importância da luta pelo futuro de novas leitoras e escritoras. Essa campanha nos lembra que os direitos não são dados e certos, são resultado da luta constante pela dignidade humana.

Para que a democracia seja exercida de forma plena e constante, são necessários espaços em que ocorra a legitimação da cultura da comunidade, onde mulheres possam construir sua identidade e informar-se sobre o mundo e sobre si mesmas. A autora Silvia Castrillon fala que é necessário “dispor de espaços que lhe permitam expressar-se”, espaços esses que chamamos de bibliotecas, responsáveis pelos mais diversos atravessamentos.

O direito de ler e escrever perpassa a garantia de uma educação igualitária e inclusiva, somado ao direito à universalização das bibliotecas em instituições de ensino públicas e privadas, previsto na Lei 12.244/10. Exigir que direitos como esses sejam efetivados e impedir possíveis retrocessos, são eixos centrais para a construção da dignidade.

A produção literária brasileira estruturou-se sob narrativas hegemônicas, mas como a história é feita de disputa por espaços e reivindicações de direitos constantemente ameaçados, para que possamos seguir formando e sendo leitoras e escritoras precisamos seguir em luta, seguir em movimento.

 

Texto de Gabrielle Alves, pesquisadora na Plataforma CIPÓ, cientista política e graduanda em Direito.

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