voluntária da Elas
22/02/2024
O Brasil é sinônimo de originalidade musical, combinando diversas tendências e elementos em ritmos que transmitem nossas identidades, culturas e valores.
Consequentemente, em um país com alto nível de desigualdade de gênero e violência contra a mulher, nossa música e nossos artistas também reproduzem esses problemas, ao sexualizar e objetificar os corpos femininos.
A verdade é que as mulheres fazem música, mas também são utilizadas como produtos pela indústria musical, que lucra com sua sexualização.
No cenário musical, é comum encontrar inúmeras canções que se referem às mulheres de forma machista.
Muitas dessas músicas fazem apologia à violência, retratam relacionamentos tóxicos sob um tom de piada, objetificam o corpo feminino e perpetuam estereótipos prejudiciais.
As mulheres são frequentemente retratadas como mentirosas, interesseiras, traidoras e, principalmente, como meros objetos de satisfação masculina.
São consideradas objetos sexuais valorizados apenas por sua aparência, nunca pelo seu intelecto ou habilidades.
Tal banalização da violência contra a mulher nas letras das músicas é preocupante, pois perpetua estereótipos prejudiciais e dissemina desinformação.
Se continuarmos tratando a violência de gênero como um assunto em que “não se mete a colher” e normalizando o sexismo, nossos corpos e direitos continuarão sendo desrespeitados.
Além disso, a objetificação dos corpos femininos afeta negativamente a autoestima e a saúde mental de meninas e mulheres, que podem desenvolver quadros de ansiedade e depressão, e distúrbios alimentares, influenciadas pelo padrão de corpo inatingível que é incessantemente pregado.
Além das músicas que propagam a desigualdade de gênero, também podemos observar um comportamento hipersexualizado por parte de artistas femininas.
Essa hipersexualização tem gerado debates acalorados entre feministas ao longo das décadas.
Enquanto uma parte do movimento critica a objetificação dos corpos, enfatizando que tais comportamentos contribuem para o imaginário coletivo de que as mulheres são meros objetos sexuais para a satisfação masculina. Outra corrente defende que a liberdade sexual feminina não pode ser limitada e que as mulheres têm o direito de expressar sua sexualidade livremente.
Muitas dessas artistas se autodenominam feministas e utilizam sua imagem como uma forma de empoderamento, empregando a sensualidade para subverter as normas sociais e afirmar que a mulher é completamente livre.
O debate entre empoderamento versus sexualização é antigo e continua gerando discussões.
Embora seja importante que a mulher tenha liberdade para expressar sua sexualidade, é crucial reconhecer que o sistema patriarcal se aproveita dessa exposição para (re)tratar a mulher como um objeto sexual e para promover um padrão estético como o “desejável”.
É nesse ponto que a indústria musical entra em cena, explorando a imagem feminina para vender e lucrar.
A indústria musical é inegavelmente misógina, dominada principalmente por homens que reproduzem visões discriminatórias e sexualizadas das mulheres em busca de lucro. Não se pode negar que a cultura da nudez feminina e da objetificação do corpo da mulher é altamente rentável.
Como resultado, padrões estéticos são impostos às artistas, relegando-se seu talento a um segundo plano, uma vez que o que mais importa é a sua aparência.
Da mesma forma, as músicas que menosprezam as mulheres seguem a mesma lógica de mercado porque são elas que vendem.
Além disso, é crucial considerar que a maioria dos donos de gravadoras, compositores, produtores e empresários são homens, que trazem uma visão masculina do que é ser mulher.
Essa representação sexista acaba permeando toda a indústria, inclusive na produção de artistas mulheres.
O establishment se apropria de nossos direitos e desejos, reduzindo-nos a meros corpos e retratando-nos como vilãs quando desafiamos a vontade masculina.
O cenário ora analisado promove reflexões profundas sobre a desigualdade de gênero no Brasil.
Primeiramente, é importante ressaltar que as mulheres têm o direito de expressar sua sexualidade livremente, sem serem invalidadas ou assediadas por isso.
No entanto, também é inegável o quanto a indústria é cruel com as mulheres, impondo uma série de exigências e padrões estéticos.
Em uma indústria musical extremamente competitiva e implacável, aparenta-se que apenas aqueles que se adequam às demandas dos produtores conseguem alcançar o sucesso.
Ademais, como sociedade, precisamos nos questionar por que consumimos tantas músicas que propagam a violência contra a mulher e que objetificam seus corpos.
O que isso revela sobre nós? Será que ainda vemos as mulheres como meros objetos para a satisfação masculina? Por que continuamos consumindo esse tipo de conteúdo, sabendo que as gravadoras lucram com a objetificação feminina?
Independentemente das respostas a essas perguntas, é evidente que o cenário musical reflete as injustiças e desigualdades presentes em nossa sociedade, que subjuga as mulheres a discriminações, violências e sub-representações em todas as áreas da vida.
https://gente.ig.com.br/cultura/2017-04-27/corpo-na-musica.html
https://gente.ig.com.br/cultura/2017-04-25/hits-problematicos.html
https://7seminario.furg.br/images/arquivo/339.pdf
Mini Bio: Júlia Coimbra Borges, 27 anos, advogada, mestra em Gênero, Desenvolvimento e Globalização pela LSE e redatora do time de comunicação da Elas no Poder. Apaixonada por música e Beatles, ama tocar violão, cantar e escutar um bom disco.
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